Ana Karina Bortoni, ex-sócia da McKinsey e ex-CEO do Banco BMG, atualmente desempenha um papel crucial nos conselhos de diversas empresas relevantes do mercado brasileiro, incluindo Iguatemi, Grupo Silvio Santos e MASP. Além disso, ela preside os conselhos da Biolab e da 2W Ecobank. Em uma entrevista exclusiva, ela compartilha sua notável trajetória e aborda os principais desafios e oportunidades no mercado corporativo e financeiro do Brasil. Ela também oferece insights valiosos sobre como encontrar o próprio caminho como mulher em uma indústria predominantemente masculina.
Confira a entrevista completa:
Você tem uma incrível trajetória profissional – foi sócia da McKinsey, CEO do Banco BMG, e hoje integra os conselhos de administração de diversas empresas relevantes do mercado brasileiro (Iguatemi, Grupo Silvio Santos, MASP), bem como preside o conselho de administração da Biolab, e da 2W ecobank, além de estar no comitê de auditoria do Banco Carrefour e ser mentora da Endeavor. Você pode nos contar um pouco dos aspectos mais gratificantes e desafiadores da sua jornada?
Nestes 26 anos de carreira, a experiência adquirida como sócia da McKinsey foi, sem dúvida alguma, importantíssima para que eu pudesse desenvolver uma visão ampla de negócios. Foram quase 18 anos à frente de projetos extremamente relevantes, focados em transformação, turnarounds, estratégia, governança, gestão de performance e cultura organizacional. Depois tive a oportunidade de atuar como CEO e vivenciar e colocar em prática uma série desses conteúdos. Foram anos de acertos e erros que trouxeram muitos aprendizados.
Dessa forma, acumulei um vasto conhecimento corporativo, principalmente em liderança estratégica e inclusiva, em gestão de negócios e em visão empreendedora. Tudo isso, claro, foi e tem sido gratificante.
Atualmente, como conselheira de administração e mentora, meu grande desafio é fomentar ideias e iniciativas de inovação, modernização e ESG, com foco em sustentabilidade e resultados para o negócio, temas essenciais na agenda executiva.
Quais são as oportunidades e desafios que você identifica para o mercado financeiro e empresarial brasileiro nos próximos anos?
Sempre digo que os desafios são as próprias oportunidades. Em um mercado tão competitivo como a indústria bancária, com riscos medidos a cada passo, encontrar vantagens competitivas para o crescimento sustentável do negócio é o principal desafio.
Em termos globais de acordo com o estudo Perspectivas da Indústria Bancária 2024: convicção e agilidade para prosperar, promovido pela Deloitte, as instituições que conseguirem fluxos de receitas mais diversificados e uma forte disciplina de custos poderão ser capazes de aumentar a rentabilidade, inclusive com valorização de mercado superior à maioria.
Em termos de competitividade, o setor continua enfrentando duros desafios, não apenas pela concorrência entre si, mas principalmente com as novas instituições, como as fintechs e cooperativas, à medida que mais clientes buscam as facilidades que as financeiras não tradicionais conseguem oferecer.
O cenário no Brasil não será muito diferente. Uma recente análise realizada pela Fitch Ratings aponta uma perspectiva neutra para a indústria bancária do país, especialmente devido à redução de exposições a ativos de risco ao longo de 2022 e 2023 e à adequada capitalização.
Dessa maneira, o bom desempenho do setor evidencia as gestões mais conservadoras das instituições financeiras, que resultaram em menos provisionamento, levando, assim, a uma adequada geração de capital.
Ainda sob o ponto de vista da Fitch Ratings, a estabilidade do setor em 2024 está vinculada à capacidade do sistema de enfrentar os desafios, ao mesmo tempo que executa suas estratégias por meio de uma gestão eficiente, mesmo diante de um cenário macroeconômico instável e complexo.
Nesse contexto, chegamos à tecnologia. Embora as instituições financeiras de nosso país sejam umas das mais avançadas digitalmente, com processos internos que já vêm há anos trabalhando com algoritmos de aprendizado de máquina, aprendizado profundo e técnicas de processamento de linguagem natural, a inteligência artificial generativa não deixa de ser um grande desafio.
Apesar dos investimentos em automação, ainda há muito espaço para a transformação de diversas atividades exercidas por capital humano, que poderia ser desenvolvido e capacitado para funções que agreguem valor ao negócio, como a interação produtiva com os clientes ou o planejamento de campanhas e ferramentas que promovam a educação financeira e o uso do crédito consciente.
Nesse sentido, além dos próprios serviços bancários, a indústria financeira também deve aproveitar as oportunidades das tecnologias emergentes para reduzir riscos, agilizar as operações e minimizar fraudes, conquistando a confiança do consumidor. Tudo isso não se constrói da noite para o dia. Por isso, 2024 precisa ser o início das mudanças.
Como você enxerga a importância da diversidade de gênero e da inclusão no ambiente corporativo? Em sua opinião, quais são os elementos-chave para criar uma cultura organizacional inclusiva e diversificada em empresas e instituições financeiras?
Este é um assunto que faz todo sentido nos dias de hoje e está presente nas conversas que promovo nas mesas dos conselhos. Se, por um lado, a diversidade é uma responsabilidade social que temos como cidadãos, ela também é uma iniciativa imprescindível para as gestões modernas e inteligentes.
Apoio essa visão em uma pesquisa da McKinsey que, desde 2015, realiza o estudo Diversity Matters e apresenta a evolução das iniciativas em DEI nas organizações. Na edição de 2023, por exemplo, o relatório mostrou que empresas com diversidade de gênero nos cargos de liderança tinham uma probabilidade 39% maior de desempenho financeiro superior em comparação com organizações menos diversas.
E não é apenas na liderança que a representatividade feminina faz a diferença. Companhias com conselhos de administração inclusivos apresentaram performances 27% acima das demais.
Esses são alguns números que comprovam que a diversidade torna as equipes de trabalho mais engajadas e inovadoras, impactando diretamente os resultados.
Mas ainda estamos longe do cenário ideal. Considerando todos os quesitos pesquisados pelo Fórum Econômico Mundial no relatório Global Gender Gap Report, como participação política, mercado de trabalho e desempenho econômico, precisaremos de 131 anos para alcançar a paridade de gênero.
Embora devamos trabalhar com foco, seriedade e esperança para isso, as expectativas já foram melhores. Em 2020, por exemplo, eram esperados 100 anos para que pudéssemos zerar as diferenças de gênero em todos os segmentos sociais. Ou seja, aumentamos essa expectativa em quase ⅓ do tempo.
Como construir ambientes que priorizem a diversidade e a inclusão? Partindo de uma cultura organizacional genuína e autêntica, voltada para a inclusão e para o respeito com as diferenças, em que a liderança incentive uma comunicação transversal em todos os níveis. Sem isso, não transformaremos nossas empresas.
Quais são os aprendizados mais significativos que você obteve ao longo de sua carreira que você gostaria de compartilhar com nossa audiência, especialmente no contexto do Dia Internacional da Mulher?
Quando comecei minha carreira, o ambiente corporativo era majoritariamente masculino, muito mais do que é hoje. Havia poucos exemplos de mulheres em cargos de alta liderança, e o teto de vidro ainda era um forte obstáculo para a carreira, para o reconhecimento e para a remuneração.
Aos poucos, estamos progredindo. Embora não tenhamos alcançado uma equidade natural, vemos que as grandes empresas perceberam a necessidade de formar estruturas organizacionais mais equilibradas. Mesmo assim, não é um caminho fácil. As competências das mulheres em cargos executivos ainda são frequentemente questionadas, o que nos obriga a estar continuamente comprovando a nossa capacidade de gestão.
Por isso, meu papel como mulher e conselheira é promover o diálogo, o questionamento e a busca pela inclusão, bases primordiais para a sustentabilidade de uma organização. Além de orientar e garantir que normas, regras, boas práticas e procedimentos sejam seguidos pelas corporações, sinto que tenho a responsabilidade de levar um olhar mais humanizado para o universo empresarial.
Quando abordo temas de ESG e DEI, espero contribuir com perspectivas ímpares e enriquecedoras. A diferença no olhar, na experiência e no contexto pessoal alimenta as discussões e torna os ambientes corporativos mais criativos e, por isso mesmo, mais produtivos e rentáveis.