Os avanços tecnológicos têm exercido um impacto de extrema relevância no âmbito do direito, provocando uma transformação significativa na forma como as leis são concebidas, aplicadas e interpretadas. O ritmo acelerado do progresso tecnológico tem uma influência profunda na sociedade, alterando a maneira como as pessoas interagem e exigindo uma contínua adaptação do sistema jurídico para permanecer pertinente e efetivo.
A intersecção entre o direito e a tecnologia é uma área complexa e em constante mutação, e, para acompanhar esse cenário dinâmico, é crucial que os profissionais do direito, legisladores e especialistas em tecnologia colaborem de forma próxima e harmoniosa. Essa colaboração conjunta é fundamental para o desenvolvimento de leis e regulamentações adequadas, que assegurem a proteção dos direitos individuais e promovam a inovação de maneira ética e segura.
Um exemplo concreto dessa necessidade de adaptação é a maneira como os contratos são atualmente assinados. Nos últimos tempos, a assinatura eletrônica de contratos se tornou uma prática comum em diversos setores e organizações. Essa adoção da assinatura eletrônica é impulsionada pelos avanços tecnológicos e pela crescente digitalização dos processos.
É inegável que a assinatura eletrônica trouxe eficiência às transações, permitindo que os contratos sejam assinados de forma rápida e remota, eliminando a necessidade de impressão, envio físico, assinaturas manuais e devolução. Isso resulta em economia de tempo e agiliza o processo de negociação e fechamento de transações.
Além disso, podemos também citar a economia de custo, como uma outra vantagem trazida pela tecnologia. Ao reduzir o uso de papel e eliminar a necessidade de enviar documentos fisicamente, a assinatura eletrônica pode resultar em economia de custos significativa para empresas e indivíduos, e ainda corrobora com a questão da sustentabilidade, minimizando o impacto ambiental associado à produção e descarte de papel.
Outro aspecto importante é a segurança da informação e rastreabilidade, já que a assinatura eletrônica geralmente inclui registros de data e hora, bem como informações sobre a identidade do signatário. Esses elementos adicionam camadas de segurança ao processo.
Com a crescente internacionalização dos negócios, a assinatura eletrônica veio para ficar e superar barreiras geográficas, facilitando a colaboração global. Imaginem que partes situadas em diferentes lugares do globo terrestre agora conseguem assinar simultaneamente um mesmo documento. Sem dúvida alguma uma conquista notável! O que pareceria impossível prever há 10 (dez) anos atrás, agora é uma realidade cotidiana.
No entanto, é relevante destacar que a aceitação da assinatura eletrônica pode variar conforme a legislação de cada país ou jurisdição, havendo situações em que certos contratos podem exigir tipos específicos de assinaturas ou medidas adicionais de segurança.
Portanto, é fundamental verificar a legislação aplicável e garantir que a tecnologia de assinatura eletrônica utilizada atenda aos requisitos legais e normas de segurança adequadas.
E então, sob ponto de vista jurídico, como é tratada a exequibilidade dos contratos assinados eletronicamente no Brasil?
No Brasil, são três as modalidades de assinatura eletrônica previstas na Lei 14.063 de 23 de setembro de 2020, a qual define as regras para a utilização de assinaturas eletrônicas e digitais em processos e documentos no âmbito da administração pública, quais sejam:
- (a) SIMPLES: Que utiliza recursos básicos como armazenamento de dados e informações, de forma segura;
- (b) AVANÇADA, que é autenticada por tokens, selfie, pix, dentre outros; e
- (c) QUALIFICADA que é autenticada por Certificado Digital ICP Brasil.
Já a recém promulgada Lei nº 14.620/2023, trouxe mudanças importantes no Código de Processo Civil brasileiro, estabelecendo regras claras para a assinatura eletrônica.
A principal alteração trazida por essa lei foi a inserção do parágrafo 4º ao artigo 784, que aborda especificamente a validade dos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
I – a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;
II – a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;
III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
IV – o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;
V – o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;
VI – o contrato de seguro de vida em caso de morte;
VII – o crédito decorrente de foro e laudêmio;
VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;
IX – a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;
X – o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;
XI – a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;
XII – todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.
- 1º A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução.
- 2º Os títulos executivos extrajudiciais oriundos de país estrangeiro não dependem de homologação para serem executados.
- 3º O título estrangeiro só terá eficácia executiva quando satisfeitos os requisitos de formação exigidos pela lei do lugar de sua celebração e quando o Brasil for indicado como o lugar de cumprimento da obrigação.
- 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura. (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)
De acordo com essa nova lei, qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei é aceita para títulos executivos constituídos ou atestados eletronicamente. Além disso, a exigência da assinatura de testemunhas foi dispensada quando a integridade do documento puder ser conferida por um provedor de assinatura.
A exigência para validade do documento como título executivo, quando assinado eletronicamente, é que a sua integridade (validade das assinaturas e conformidade do documento) possa ser conferida por um provedor de assinaturas. Nesse sentido, a verificação da integridade pode ocorrer de duas formas: (a) pela própria plataforma através da qual o documento foi assinado (a exemplo das plataformas docusign e clicksign); como também, (b) pelo “VALIDAR”, serviço de validação de assinaturas eletrônicas do Instituto Nacional de Tecnologia e Informação do Governo Federal.
Inclusive, tivemos acesso a uma decisão de 2018 em que o STJ já havia registrado em sede de Recurso Especial, que um contrato eletrônico com assinatura eletrônica, ainda que não tenha testemunhas, é considerado título executivo para fins de execução civil.
Nesta mesma decisão utilizou-se a justificativa de que a assinatura digital de contrato eletrônico tem a vocação de certificar, através de terceiro desinteressado (autoridade certificadora), que determinado usuário de certa assinatura a utilizara e, assim, está efetivamente a firmar o documento eletrônico e a garantir serem os mesmos os dados do documento assinado que estão a ser sigilosamente enviados. (1 STJ; Recurso Especial nº 1.495.920 – DF. 3ª Turma. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado em 15/05/2018.)
Independentemente da ocorrência de tal violação, certo é que a Corte Superior já vinha ditando, desde então, a necessidade de a legislação versar expressamente sobre a matéria, exatamente no sentido decidido, ou seja, de caracterizar como título executivo o documento assinado eletronicamente, dispensando-se o requisito do art. 784, inc. III, do CPC.
Essa mudança legislativa representa uma importante fonte de segurança jurídica em todas as transações que envolvam títulos executivos criados por meios eletrônicos, o que tem se mostrado uma tendência na era digital em que vivemos.
Essa nova regra entrou em vigor imediatamente após sua publicação, ou seja, a partir de 14/07/2023.
É importante ressaltar que a legislação está se adaptando às demandas da era digital, buscando trazer segurança jurídica às transações que envolvem documentos eletrônicos e assinaturas digitais.
Assim, é recomendado que as cláusulas de assinatura eletrônica sejam atualizadas para refletir as novas regras estabelecidas pela Lei nº 14.620/2023, garantindo a conformidade com a legislação vigente e evitando possíveis questões jurídicas futuras.
A evolução contínua da tecnologia requer que as leis acompanhem essa transformação, de modo a manter-se em consonância com as necessidades da sociedade e proteger os direitos e interesses das pessoas de maneira adequada.
Dessa forma, é sugerido que todos se atualizem e adequem suas práticas às novas disposições legais sobre assinatura eletrônica. #ficaadica