Como você descreveria a estrutura de conformidade da Petlove?
A estrutura de conformidade da Petlove foi desenvolvida olhando basicamente três grandes pilares. O primeiro, os valores da companhia. Quando você olha para os valores da companhia, como a Petlove se comporta? A gente pensa no pet como centro das nossas decisões. Então vamos fazer tudo aquilo que é bom para o pet, ainda que contrarie o tutor. Qual a consequência disso? Às vezes vamos tomar decisões intencionais que não agradam o tutor. Por exemplo: não vendemos gaiola, temos restrição a determinados tipos de produtos… Nós achamos que a construção de integridade é maior do que a cultura interna da companhia; ela tem que refletir nossos produtos, a forma como a gente pensa.
O segundo pilar é como a gente faz a governança dessa estrutura. Eu tenho um comitê de auditoria e compliance com pessoas indicadas pelos nossos investidores e é para eles que a gente reporta as agendas de compliance de forma macro. Todos os assuntos da companhia que de alguma forma colocam em risco a confiabilidade dos números, as condutas empresariais esperadas, tudo isso a gente leva para o comitê de auditoria e compliance. E embaixo eu tenho um comitê de ética que é um centro de deliberações no qual temos um grupo de líderes da companhia que deliberam em cima de uma política de consequências os resultado de apurações que fazemos internamente ou terceirizamos.
O terceiro pilar é o público interno. Nós temos muita clareza das expectativas que a companhia tem em relação à conduta empresarial de cada um, como nós vamos nos comportar e agir, e mostrar também como esse programa reage. Temos alguns mecanismos de detecção – e aqui eu gosto de ser muito simples, que é desde um e-mail para mim, para a gerente de compliance que faz parte do meu time, seja um report formal no nosso canal de relatos. Gosto de frisar também que na Petlove não temos um “canal de denúncias”, temos um canal de relatos; as pessoas relatam um desconforto. Penso que quando se fala em “denúncia”, parece que você está em uma delegacia de polícia, e o canal tem que ser receptivo. Uma pessoa que sofreu um trauma e vai reportar, esse canal tem que estar super ali dento da organização para que a pessoa se sinta à vontade para fazer esse relato.
Em um contexto de gestão ágil e flexibilidade no trabalho presencial, como assegurar que todos os funcionários estejam alinhados com as políticas e procedimentos de compliance?
A primeira coisa que eu gosto de falar é que o compliance não é da companhia, é dos colaboradores. Trabalhar num ambiente seguro, saudável, onde as pessoas possam desempenhar suas funções é um privilégio, e é o que a gente tem que fazer. E isso se desdobra em ações. Alguns exemplos que parecem banais, mas fazem a diferença: nós não falamos “o compliance quer”, ou “a companhia quer”; nós falamos: “nós queremos”. E quem somos nós? São os colaboradores, os stakeholders, a própria companhia, os líderes. Compliance a gente trata na terceira pessoa do plural, porque tem que ser inclusivo, todo mundo tem que participar. E para ser ágil é um misto de recurso, expectativa e priorização. Neste contexto, o primeiro pilar que eu mencionei anteriormente é fundamental, porque se a companhia está vivendo os valores, é muito fácil detectar o desvio; alguém olha e já diz: “isso não foi legal, eu não me sinto bem, será que eu iria queria ter isso exposto? Eu iria me orgulhar da Petlove estrar envolvida em uma situação como essa?” E você cria uma cultura do certo, que, sendo bem pragmático e óbvio, é a cultura do ser, fazer e parecer. É o que torna as agendas de compliance mais ágeis e consegue dar abertura para você ir muito além do compliance básico e começar a pensar mais alto em estruturas de governança mais complexas.
Neste cenário, como é o monitoramento do cumprimento das políticas, tanto internamente quanto no relacionamento com parceiros externos?
Quando a gente fala em monitoramento, uma das primeiras coisas que eu percebo é quando a gente reposiciona a forma de pensar um programa de compliance da companhia como um programa em que as pessoas relatam, você tira a mística da denúncia, daquela preocupação em prejudicar. Porque a pessoa está relatando um desconforto. E nem sempre um desconforto gera uma ação de compliance, mas gera uma informação importante, um ponto de melhoria ou algo que gera desconforto em alguém de forma isolada. O critério de tratamento é importante.
Do ponto de vista interno, a gente confia bastante nos nossos canais de detecção – e, de novo, a cultura estando muito bem estabelecida, esses assuntos que divergem da cultura naturalmente florescem na organização. Do outro lado, quando olhamos para stakeholder externo, é um pouco dessa missão. Se a missão da Petlove é tornar a vida dos pets cada vez mais saudável, mais feliz e acessando produtos pets e serviços médicos veterinários dentro do nosso ecossistema de forma simples, rápida e barata, é uma forma que até os próprios tutores estão engajados na nossa causa animal. Então não é incomum a gente ter o próprio tutor questionando alguma coisa.
Da mesma forma, nós temos processos de auditoria dos serviços médicos veterinários que são prestados. Se você vai numa clínica e faz um procedimento, eu tenho um médico veterinário aqui dentro olhando se esse procedimento foi adequado, se faz sentido, se a droga prescrita conversa com a dosagem indicada. Tudo isso termina no fato de a gente priorizar a saúde do pet. Quando todo mundo está olhando para isso, é fácil detectar irregularidade externa, porque no final você está tirando valor desta agenda. E naturalmente você tem os sistemas tradicionais de monitoria, que quando a gente recebe algum red flag a gente para, apura, entende. Mas a grande fortaleza da Petlove é que tanto os colaboradores quanto clientes são apaixonados por pets, que são o centro da nossa estratégia.
E quais os principais desafios regulatórios no setor de petshops?
Este é um tema que eu adoro relativizar. Não tem um desafio regulatório. Primeiro eu acredito que regulação é construída sempre numa roda infinita. Você tem os pets, que são centro de interesse; você tem a sociedade como centro de interesse; você tem o empresariado como centro de interesse; você tem o governo como centro de interesse. E essa intersecção desses atores faz a agenda regulatória.
Regulação moderna está muito longe de comando e controle. Você tem muitas disrupções tecnológicas recentes que mostram que comando e controle não funcionam. Que a regulação é fruto de interesses sociais que, num dado momento, convergem com uma regulação e que um pouco depois já não faça mais sentido, porque teve uma outra inovação. E assim a sociedade está em constante evolução, quase como um ciclo infinito.
Quando eu transporto essa razão de ser para o mundo do pet, o que a gente precisa entender cada vez mais: o pet hoje é parte da família. Deixou de ser o cão de guarda do seu quintal e passou a conviver dentro da sua casa. Ele está em cima da sua cama, ele é prioridade na sua viagem. Existem pessoas comprando casas para trazer mais bem-estar para o seu pet. Aí eu acho que o papel do compliance é entender as expectativas da sociedade quanto ao tratamento daquele pet. Então se eu tratar aquele pet como uma ‘coisa’, a regulação social por si só já vai me maltratar, vai me trazer muita dificuldade.
Ter essa sensibilidade de qual é a realidade, como funciona e o que é o pet, vai te colocar um passo à frente dessa discussão regulatória. Porque você já está atendendo a um anseio social e não vai ter pressão regulatória.
Como estamos atendendo ao consumidor e colocamos o pet em primeiro lugar, o desafio regulatório muitas vezes ele sequer existe, porque eu já estou nessa posição de cooperação com os pets. Quando se fala na indústria, acho que o grande desafio regulatório é: como as regulações do ponto de vista formal, não do ponto de vista prático, conseguem conciliar a humanização dos pets, que é uma realidade. A humanização está presente, as pessoas tratam pets como filho, e tudo isso naturalmente vai colocar as companhias na vanguarda de desenhar quase uma autorregulação.