As discussões sobre a implementação de soluções tecnológicas voltadas para a saúde nacional voltaram com força. Na última semana, entraram em vigor os Decretos nº 11.714, que dispõe sobre o Comitê Deliberativo e a Comissão Técnica de Avaliação no âmbito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS); e nº 11.715, que institui a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do CEIS.
O objetivo da Estratégia Nacional é garantir o CEIS como instrumento de avanço das políticas públicas de fortalecimento do SUS, através do desenvolvimento produtivo e de inovação do país, e acesso universal a tecnologias na área da saúde, que melhoram a qualidade de vida da população.
Dentre os programas que fazem parte da Estratégia Nacional para o Desenvolvimento do CEIS, está a retomada das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), que visam a transferência de tecnologia do setor privado para o público, em troca da exclusividade nas compras do poder público por um período de até 10 anos, com o objetivo de incentivar a produção local de medicamentos, garantir o acesso da população a medicamentos e reduzir a dependência da indústria nacional ao mercado internacional.
O programa de PDP não é novidade no Brasil. Criado em 2009, até hoje foram aprovados 312 projetos de PDP envolvendo as mais variadas tecnologias em saúde – desde vacinas até medicamentos para o tratamento da infecção causada pelo vírus HIV. Atualmente, são 84 projetos ativos, sendo que apenas 55 foram ou estão sendo executados (i.e., com vendas realizadas para o Governo Federal). A estatística mais desanimadora, na verdade, é que poucas das PDP aprovadas ou em execução chegaram à fase de efetiva transferência de tecnologia para o laboratório público nacional parceiro – em 2016, esse número era de apenas 2. Ou seja, até 2016, após 7 anos de programa, apenas duas PDP efetivamente capacitaram os laboratórios públicos parceiros a produzir o medicamento objeto da parceria após o seu encerramento. Esse, na teoria, é o objetivo final do programa.
Vale esclarecer que o Comitê Deliberativo e a Comissão Técnica de Avaliação, objeto do Decreto nº 11.714, têm como competência justamente a análise e avaliação das propostas de parcerias, no âmbito do programa de PDP, desde o momento da submissão e durante a sua execução. Não houve nenhuma alteração substancial pelo novo decreto ao que já existia em termos de regulamentação da constituição e andamento dos trabalhos dos dois órgãos.
A indústria nacional é a maior entusiasta do programa, pois é a que mais ganha com a sua implementação. Por outro lado, facilitar o acesso da população a tratamentos essenciais para a garantia do direito à saúde é necessário. Todavia, o programa de PDP envolve o investimento de milhões dos cofres públicos e, até hoje, não se mostrou um projeto efetivo para os objetivos a que se propõe.
Além disso, existem outros pontos sensíveis que precisam ser considerados na implementação de novas PDP, como o respeito aos direitos de propriedade intelectual de terceiros e as limitações dos laboratórios públicos para o recebimento das tecnologias objeto das parcerias.
Não à toa, no mesmo dia em que os decretos entraram em vigor, o Tribunal de Contas da União deliberou que o Ministério da Saúde suspenda a celebração de novas PDP, até que certas fragilidades identificadas no programa sejam sanadas, tais como a falta de critérios objetivos na definição da lista de medicamentos elegíveis para propostas de PDP; a insegurança jurídica em relação à escolha do parceiro público, que nem sempre é realizada observando-se os princípios constitucionais da publicidade, legalidade e moralidade; e a ausência de critérios objetivos para a análise das propostas de PDP submetidas pelos parceiros públicos e privados.
Vamos aguardar os próximos passos do Governo Federal em relação às PDP, principalmente quanto à edição da portaria que regulamentará o processo de submissão, avaliação e execução das propostas de PDP no âmbito do novo programa, e ficar atentos ao desenrolar do processo perante o Tribunal de Contas da União.