A prática de perícias e arbitragens econômicas no Brasil é marcada por uma abordagem técnica e detalhada, com os economistas desempenhando um papel essencial na análise de dados financeiros, impactos econômicos e na aplicação de metodologias adequadas, muitas vezes com modelagens avançadas, fundamentais para resolver disputas e litígios complexos.
O papel dos economistas em perícias econômicas tem se tornado cada vez mais desafiador, exigindo não apenas conhecimentos técnicos e avaliação de grandes quantidades de dados e documentos, mas também uma compreensão profunda do contexto de cada caso. Assim, esses profissionais podem fornecer uma base sólida de raciocínio econômico que complementa e embasa as discussões jurídicas.
Entre as principais análises realizadas pelos peritos econômicos, destacam-se: (i) avaliação e mensuração de perdas e danos; (ii) análise de cláusulas contratuais e indexação; (iii) cálculo de juros e correção monetária; (iv) valoração de empresas e ativos, (v) estimação de desequilíbrios econômico-financeiros de contratos; e (vi) análise de impactos econômicos, dentre outros.
As discussões sobre perdas e danos frequentemente envolvem uma expertise econômica especializada, com o uso de modelos econômicos e econométricos para medir o impacto das perdas. Isso inclui a avaliação de lucros cessantes, danos emergentes e a valorização de ativos. Para que essas comparações sejam feitas de forma adequada, é necessário levar em conta diversas variáveis econômicas que podem influenciar os resultados, como flutuações econômicas, a volatilidade dos mercados, choques nos custos e os fatores de oferta e demanda.
As cláusulas contratuais de indexação e a longa história de inflação e as inúmeras trocas de moedas no Brasil fazem com que esse seja um dos temas mais frequentes nas discussões econômicas. Exige-se que o perito econômico trate de maneira adequada componentes como a inflação, juros, flutuações cambiais e cláusulas de indexação vinculadas a diversos índices de preços. Contratos muito antigos representam um desafio adicional, com a experiência recente da Tendências Consultoria envolvendo a conversão e atualização de valores que vão desde os expressos nas diversas moedas dos anos de hiperinflação e planos de estabilização entre 1980 e 1994 até valores em mil reis datados de 1942 e mesmo da década de 1920.
De maneira similar, o contexto macroeconômico inconstante, bem como a divergência na interpretação das leis que disciplinam o tema, tornam os cálculos de juros e correção monetária, especialmente em casos de inadimplência, disputas tributárias e contestações contratuais, bastante importantes e desafiadores. Nessas situações, os economistas são frequentemente chamados para garantir a correta aplicação de índices e metodologias que ajustem os valores ao longo do tempo. Isso envolve considerar tanto o custo de oportunidade do dinheiro (o valor que poderia ser gerado caso os recursos estivessem sendo aplicados de forma alternativa) quanto as diferentes taxas de juros e os parâmetros econômicos vigentes durante os períodos de análise.
Em arbitragens envolvendo disputas societárias ou de investimentos, a valoração de empresas e ativos é um tema central e recorrente. A crescente instabilidade nos mercados financeiros e a volatilidade das taxas de juros e do câmbio tornam a tarefa de realizar uma valoração precisa ainda mais desafiadora. Para abordar essa complexidade, os peritos econômicos recorrem a diversas técnicas, como o fluxo de caixa descontado (FCD), que estima o valor de uma empresa com base nos fluxos de caixa futuros esperados, múltiplos de mercado, que comparam a empresa a outras similares, e a análise de risco ajustado, que leva em consideração os riscos associados ao negócio e ajusta o valor com base nesses fatores.
Com a crescente participação de entes privados em serviços anteriormente providos pelo Estado, como nos setores de transporte e saneamento, as perícias envolvendo pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) têm aumentado consideravelmente. Neste sentido, os economistas têm desempenhado papel fundamental na identificação de fatores que causaram os desequilíbrios dos contratos e na estimação destes valores.
As disputas envolvendo os setores de energia e infraestrutura são constantemente encaminhadas para serem resolvidas via perícias técnicas em função da natureza complexa e de longo prazo do negócio. As perícias econômicas provêm fundamentação técnica relevante para amparar os pleitos das partes, com racional econômico e contabilização de valores essenciais para a adequada análise de cada caso.
Já a análise econômica em casos de fraudes tem como principal objetivo avaliar o impacto econômico do comportamento fraudulento, quantificar perdas ou danos resultantes e fornecer evidências econômicas ou financeiras que comprovem a existência de práticas fraudulentas. Para a quantificação dos danos, é fundamental que o processo seja robusto e detalhado, utilizando metodologias apropriadas como a avaliação do valor presente dos fluxos de caixa, que estima o impacto futuro da fraude, ou a comparação entre o valor efetivo e aquele esperado em condições normais de mercado, conhecido como cenário contrafactual.
Além disso, a detecção de métodos fraudulentos pode exigir a aplicação de técnicas estatísticas e modelagem de dados para identificar padrões anormais ou discrepantes que possam indicar a ocorrência de fraude. Essas técnicas ajudam a revelar comportamentos incomuns nas transações financeiras, fornecendo provas adicionais que sustentam as alegações de fraude. O trabalho do economista é, portanto, essencial para estabelecer um nexo (ou a sua ausência) entre o comportamento fraudulento e seus efeitos econômicos, oferecendo um relato técnico e fundamentado para a resolução do caso.
Em disputas antitrustes, análises da dinâmica do mercado tornaram-se essenciais. As perícias têm sido solicitadas em contextos de cartéis e práticas anticompetitivas, como abusos de posição dominante, além de questionamentos sobre preços e tarifas. Nessas situações, os peritos utilizam ferramentas econométricas avançadas para mensurar variáveis chave, como o preço na ausência da conduta anticompetitiva, o que ajudaria a determinar o impacto da prática no mercado, a elasticidade da demanda (que avalia como a demanda reage a mudanças nos preços), entre outros elementos importantes.
As tendências e os desafios no campo das perícias econômicas devem seguir evoluindo, acompanhando as mudanças nas dinâmicas econômicas globais. Essas mudanças são impulsionadas por novas tecnologias, alterações nas regulamentações e os desafios econômicos que surgem ao longo do tempo.
Entre as tendências, mantêm-se como destaque as disputas envolvendo pedidos de reequilíbrio econômico-financeiros em contratos com o setor público e contratos relacionados a setores naturalmente complexos, como infraestrutura e energia.
Já no que tange à inovação, destaca-se como tendência o uso da inteligência artificial (IA) que, juntamente com a análise de grandes volumes de dados (big data), pode transformar a prática das perícias econômicas. A integração dessas tecnologias permite o uso de ferramentas analíticas avançadas, que ajudam na modelagem de cenários e na realização de análises mais precisas e eficientes, facilitando a identificação de padrões e a formulação de conclusões baseadas em dados robustos.
A crescente preocupação com a sustentabilidade pode resultar em um aumento nas perícias econômicas voltadas para os impactos ambientais e as mudanças climáticas. Além disso, questões como compensações de carbono e novos regulamentos ambientais podem exigir avaliações econômicas detalhadas para entender os efeitos.
A reforma tributária, com as alterações nas normas fiscais e tributárias, irá gerar uma série de demandas para perícias econômicas, pois as novas regras impactam os contratos de compra e venda entre empresas, a arrecadação, a tributação de diferentes setores da economia, as práticas empresariais e a competitividade entre regiões.
Em resposta a essas mudanças, as perícias econômicas podem ser cada vez mais solicitadas para resolver disputas. Isso incluirá a avaliação dos impactos econômicos das mudanças nas alíquotas, o reequilíbrio de contratos – não apenas de concessões, mas também contratos privados de médio e longo prazo –, a reestruturação de regimes tributários, a análise de créditos tributários e as implicações da transição entre os sistemas tributários.
Por fim, é importante destacar algumas estatísticas sobre a evolução dos casos de arbitragens. Segundo a pesquisa de 2024 de Selma Lemes, publicada em Arbitragem em Números, em 2023, do total de 1.035 arbitragens em andamento, 30,7% (318) foram arbitragens novas, com valores em discussão que somam R$ 29 bilhões.
Do total de 1.035 arbitragens em andamento, cerca de 43% são conduzidas na Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC), 12,5% na Câmara de Comércio Internacional (CCI) e 12% na Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (CAMARB), enquanto os 32% restantes estão distribuídos em outras câmaras de arbitragem. Outra câmara com representatividade relevante em 2023 foi o Conselho Arbitral do Estado de São Paulo (CAESP), com cerca de 9% de novos procedimentos protocolados.
Considerando o maior número de arbitragens entrantes e os valores envolvidos em 2023 nas câmaras CAM-CCBC, CCI e CAMARB, a liderança nas matérias tratadas ficou com o setor societário (CAM/CCBC e CAMARB), seguida por contratos de construção civil e energia (CCI). Na área de contratos de engenharia e energia, já se observa a formação de dispute boards com o objetivo de evitar o surgimento de conflitos. A pesquisa também destaca que, desde 2021, tem-se registrado um crescimento das arbitragens desportivas no Brasil, que representam 4% do total, sendo administradas pelo CBMA. A figura a seguir representa uma fotografia do ano de 2023 na CCBC.
Setores e Negócios em disputas (2023)
Fonte: Fatos e Números 2023, CCBC.
Em resumo, as perícias econômicas continuam a se consolidar como uma ferramenta essencial na resolução de conflitos, especialmente os mais complexos, que demandam análise técnica e especializada. O papel do perito é fornecer uma análise imparcial e objetiva, utilizando métodos e ferramentais econômicos rigorosos para auxiliar juízes, advogados e as partes envolvidas a entender os aspectos econômicos da disputa.
Sobre os autores
*Fabiana Tito é sócia e diretora de Novos Negócios da Tendências Consultoria. Doutora em Teoria Econômica pela FEA/USP, Mestre em Economia da Concorrência e Regulação pela Universitat Pompeu Fabra e pela Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha) e Bacharel em Ciências Econômicas pela FEA/USP, com especialização em Direito Econômico pela FGV. Reconhecida pelo Who’s Who Legal Thought Leaders e Consulting Experts, diretora de Economia do IBRAC, diretora do Women in Antitrust (WIA) e consultora não governamental da International Competition Network (ICN).
**Ernesto Guedes é sócio fundador, diretor e membro do Conselho Deliberativo da Tendências Consultoria, onde lidera a equipe de Estudos sob Demanda. Economista formado pela FEA/USP, possui mais de 30 anos de experiência em consultoria econômica.
***Mirela Scarabel é economista da Tendências Consultoria. Doutora e Mestra em Teoria Econômica pela FEA/USP e Bacharel em Ciências Econômicas pela mesma instituição. Tem mais de seis anos de experiência no mercado financeiro e larga experiência em consultoria, em especial com temas relacionados à arbitragem.