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Disputas

Ações Reparatórias por Danos decorrentes de Cartel no Brasil

A abertura do capitulo "Cartel Damage Claims" da 6ª Edição do guia Brazil's Best Counsel tem autoria dos sócios Bruno L. Peixoto e Carolina P. Trevizo do escritório Araújo e Policastro Advogados

O Brasil tem experimentado um aumento no número de ações reparatórias por danos causados por cartéis nos últimos anos devido a diversos desenvolvimentos importantes no campo do private enforcement em matéria de concorrencial. Decisões judiciais recentes têm esclarecido ainda mais questões relevantes relacionadas (i) à natureza jurídica das ações individuais indenizatórias por danos concorrenciais, e ao momento em que seu prazo prescricional começa a fluir; (ii) ao valor probatório da constatação de existência de uma infração pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (a autoridade antitruste brasileira); (iii) à divulgação de informações e o acesso a documentos relacionados às investigações do CADE; (iv) à relevância de provas periciais para demonstrar danos individuais; e (v) ao fato de que o repasse do sobrepreço (passing-on defence) não pode ser presumido e é ônus dos requeridos de prova-lo. Além disso, no final de 2022, entrou em vigor a Lei nº 14.470/2022, que alterou a Lei de Defesa da Concorrência (Lei Federal nº 12.529/11), com o objetivo de fornecer mais incentivos para as partes prejudicadas buscarem compensação por danos decorrentes de infrações concorrenciais.

A primeira ação reparatória por danos causados por cartel foi movida em 2006, após a autoridade concorrencial brasileira condenar e multar participantes de um cartel no mercado de aço longo. Este caso foi um ponto de virada para o private enforcement da lei concorrencial, inspirando outras vítimas e associações de classe a buscar danos contra outros cartéis. A edição da atual Lei de Defesa da Concorrência em 2011 também foi um marco para a aplicação privada do direito concorrencial, uma vez que a nova lei desempenhou um papel importante na promoção da detecção de cartéis por meio de um programa de leniência eficaz e, consequentemente, fortaleceu a fiscalização anti-cartel.

Iniciativas do governo federal (e do próprio CADE), do congresso e do setor privado têm contribuído significativamente para promover a aplicação privada do direito antitruste. A Lei nº 14.470/22, por exemplo, foi promulgada para criar mais incentivos para o ajuizamento de ações de indenização por danos causados por cartel. A nova lei avança no enforcement privado ao (i) propor a criação de um sistema de double damages; (ii) estabelecer que o repasse do sobrepreço não pode ser presumido, sendo incumbência da parte requerida que alega essa defesa prová-la; (iii) estabelecer um prazo prescricional de 5 anos, a partir da publicação da decisão final do CADE; e (iv) estipular que a decisão condenatória final do CADE é capaz de fundamentar a concessão de tutela inibitória.

Decisões recentes dos Tribunais Superiores Brasileiro também têm contribuído substancialmente para o avanço das ações privadas por danos causados por cartel. Em relação ao termo inicial do prazo prescricional para ajuizar essa demanda reparatória, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido consistentemente que as ações individuais indenizatória são demandas de natureza extracontratual e, portanto, o prazo prescricional só começa a correr a partir do momento em que o demandante tem ‘conhecimento inequívoco’ do ato ilícito e de suas consequências (teoria da actio nata). Portanto, em ações do tipo follow-on, a publicação da decisão final do CADE, na qual a infração foi reconhecida, serve como demonstração do conhecimento inequívoco da violação do direito subjetivo, e, portanto, deve ser considerada como o termo inicial da prescrição. No caso de ações do tipo stand-alone, não há regulamentação específica e, portanto, o termo inicial deve ser analisado caso a caso (e.g., Messer Gases v Companhia Siderúrgica Nacional e Companhia Metalúrgica Prada (2023)); Antonio Claudemir Telles v Sucrocitrico Cutrale Ltda. (2022)).

Aplicando o entendimento mencionado do STJ, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem proferido decisões determinando que a decisão final do CADE sobre o mérito desencadeia o prazo prescricional para ações reparatórias follow-on (e.g., Iziquiel Bottaro vs. Sucocítrico Cutrale Ltda. (2023)).

Por fim, em conformidade com o Código Civil Brasileiro, o STJ também emitiu decisões recentes afirmando que a existência de investigações criminais relacionadas às mesmas infrações concorrenciais de uma ação privada por danos concorrenciais é fato impeditivo de fluência do prazo prescricional (ver Messer Gases v Companhia Siderúrgica Nacional e Companhia Metalúrgica Prada (2023); FEHOSP v Air Liquide Brasil Ltda. (2021)).

Quando se trata do efeito das decisões do CADE, os requerentes de ações follow-on podem se basear nas conclusões do CADE para demonstrar a infração concorrencial, uma vez que os tribunais brasileiros reafirmaram que a decisão do CADE representa evidência inequívoca de sua existência (e.g., Associação de Hospitais de Minas Gerais v. Air Products Brasil Ltda (2012)). Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão importante reforçando a relevância de uma decisão condenatória do CADE. No caso Comal Combustíveis Automotivos v. CADE (2019), o STF decidiu que os tribunais devem ser deferentes às conclusões de fato do CADE, tendo em vista a expertise e os recursos da autarquia para determinar se uma conduta investigada produziu efeitos anticompetitivos no mercado brasileiro. No entanto, essa decisão se aplica apenas às conclusões sobre o mérito, e, portanto, os tribunais ainda podem revisar questões relacionadas ao devido processo legal e questões de natureza processual relativas aos procedimentos do CADE.

Também, no caso Electrolux do Brasil SA v Whirlpool SA (2016), o STJ ordenou a divulgação pelo CADE de documentos e informações obtidos durante suas investigações para apoiar uma ação reparatória follow-on. Essa decisão levou o CADE a editar a Resolução nº 21 de 2018, por meio do qual regulamentou a divulgação e o acesso às evidências obtidas no âmbito de suas investigações, após intenso debate sobre o equilíbrio entre o private e o public enforcement da lei. De acordo com essa resolução, parte dos documentos obtidos no curso dos processos administrativos deve ser divulgada após o CADE proferir uma decisão final, com exceção dos documentos fornecidos pelos beneficiários de Acordo de Leniência e Termo de Compromisso de Cessação (TCC) (e.g., histórico de conduta ilícita), e informações comercialmente sensíveis, que também permanecem sigilosas.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”) também tem enfatizado cada vez mais a importância da produção de provas periciais em demandas privadas reparatórias por danos concorrenciais. A complexidade desse tipo de demanda requer modelos econômicos e cálculos econométricos para demonstrar a ocorrência de danos individuais. Além disso, o Tribunal de Justiça tem estabelecido que o repasse do sobrepreço aos consumidores finais deve ser comprovado por meio de evidências econômicas específicas preparadas com base em dados e documentos que demonstrem os métodos utilizados pela empresa lesada para fixar o preço do produto final para venda aos seus clientes, e que o ônus de provar a defesa de repasse recai sobre a parte requerida (e.g., Paez de Lima Construções Comércio vs. Votorantim Cimentos e outros (2019)). O TJSP já decidiu em várias ocasiões que o réu deve compartilhar documentos com as informações necessárias para a execução da prova técnica, mesmo que contenha informações comercialmente sensíveis, na medida em que os documentos serão utilizados apenas pelo perito judicial designado e são endereçados especificamente para possibilitar a realização da prova pericial (c. IBG Indústria Brasileira de Gases Ltda. v Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (2019)).

Atualmente, um hot topic no Brasil relacionado à aplicação privada do direito da concorrência diz respeito à aplicação no tempo da nova Lei nº 14.440/22 aos processos pendentes nos tribunais brasileiros, já que a lei não incluiu uma regra de aplicação intertemporal. Sobre esse assunto, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do STJ, foi o primeiro a definir que as disposições novas sobre a matéria do prazo prescricional se aplicam imediatamente, com 2 (duas) exceções: elas não se aplicam (i) se o prazo prescricional anteriormente aplicável já tiver se consumido, e (ii) se a ação foi ajuizada antes da entrada em vigor da nova lei.

Em conclusão, os principais desenvolvimentos recentes têm impulsionado as ações reparatórias por danos causados por cartéis e espera-se que continuem tendo repercussões positivas no campo do private enforcement em matéria antitruste, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 14.470/22.