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Pessoas & Gestão

Combate à discriminação e ao assédio, moral e sexual, em voga na lei 14.611/2023 e na lei 14.612/2023

Por Bruno Herrlein Correia de Melo e João Carlos Lopes Pacheco de Souza, sócios de Herrlein & Lopes Advogados

Se vivêssemos em Kallipolis (em grego, “cidade bela”), a cidade ideal pensada por Platão ou fôssemos agraciados com maiores índices de educação, possivelmente a regulamentação punitiva do legislador seria desnecessária quanto a mazelas tão antiquadas como segregação, preconceito e falta de empatia… Contudo, enquanto tais comportamentos inapropriados sigam arraigados nas práticas de nossa sociedade, faz-se oportuna e necessária a atuação repressiva do ordenamento jurídico.

Dessarte, no mesmo dia 03 de julho de 2023, a Lei 14.611/2023 e a Lei 14.612/2023 foram publicadas, cada qual contribuindo em seus respectivos âmbitos, para o combate à discriminação e ao assédio em nosso país.

A Lei 14.611/2023, que dispõe tratar sobre “igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens”, por meio de alterações pontuais na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, semeia maior amplitude de proteção contra a discriminação no âmbito das relações trabalhistas, esse infortúnio que, infelizmente, perdura ainda nos dias atuais.

Digno de nota que, em sentido amplo, o artigo 5º da Constituição Federal faz o alicerce para a vedação de discriminações, e a isonomia salarial encontra tradicional guarida no início XXX do art. 7º da Constituição Federal, já estando consolidadas em nosso ordenamento jurídico trabalhista, com maior especificidade, a instrumentalização de importantes ferramentas contra a potencial discriminação remuneratória, tais como a equiparação salarial por equivalência ou paradigma (respectivamente, artigos 460 e 461 da CLT). Não obstante, a nova lei (Lei 14.611/2023) majora as punições quando se constata tal desequilíbrio salarial por conta de discriminação motivada por “sexo, raça, etnia, origem ou idade”.

Com a nova legislação, passa-se a tornar expresso que nesses casos discriminatórios o pagamento das diferenças salariais não afasta potencial direito de ação de indenização por danos morais, consideradas as especificidades do caso concreto. E, ainda, amplia-se o valor da multa pela infração constatada, aumentando-a de um salário-mínimo regional para dez vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.

A Lei 14.611/2023 também estabelece diretrizes para nortear políticas empresariais no sentido da transparência, da orientação e da fiscalização contra discriminações, com determinação de disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial.

E a legislação também inova estabelecendo obrigação para empresas com mais de 100 (cem) empregados publicarem Relatórios de Transparência Salarial, sob pena de multa – sendo que tais relatórios ainda devem ser regulamentados, sem embargo de a lei já indicar que o Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).

O legislador estabeleceu, ainda, que nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.

Nesse sentido, percebe-se a aludida previsão como sendo uma importante via de diálogo entre o capital e o trabalho, onde os entes sindicais deverão ser inseridos nas discussões envolvendo o estabelecimento de metas e prazos que visem o cumprimento da legislação.

Adendo de interesse, espera-se da atuação dos órgãos de fiscalização do trabalho a premissa conscientizadora e educadora do mundo corporativo, em contrapartida ao receio de viés apenas punitivo. Assim como espera-se que se assegure a todos o amplo exercício do direito de defesa e do contraditório, sempre privilegiando tais pilares de nosso Estado Democrático de Direito.

Noutro passo, a Lei 14.612/2023 altera o Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), para incluir o assédio moral, o assédio sexual e a discriminação entre as infrações ético-disciplinares no âmbito da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil.

Oportuno notar que o assédio moral é tipificado como crime no artigo 146-A do Código Penal, o assédio sexual é tipificado como crime no 216-A do Código Penal e que a discriminação, em diversas de suas nuances, é também tipificada como crime desde a Lei 7.716/89. Todavia, a nova lei (Lei 14.612/2023) traz com especificidades reflexos disciplinares aos profissionais da advocacia que incorram em tais ilícitos.

A Lei 14.612/2023 insere no rol de infrações disciplinares dos advogados expressamente o ato de “praticar assédio moral, assédio sexual ou discriminação”, estabelecendo como sua punição a suspensão do profissional infrator – o que acarreta a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos no estatuto.

Nos termos da nova legislação, a definição dos ilícitos para fim de infração disciplinar do estatuto se apresenta como (i) assédio moral: a conduta praticada no exercício profissional ou em razão dele, por meio da repetição deliberada de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, o advogado ou qualquer outro profissional que esteja prestando seus serviços a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, com o objetivo de excluí-los das suas funções ou de desestabilizá-los emocionalmente, deteriorando o ambiente profissional; (ii) assédio sexual: a conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando a sua liberdade sexual; e (iii) discriminação: a conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de sua deficiência, pertença a determinada raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, origem étnica, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator.

Não obstante os termos da lei e sua conceituação, digno de notar que o tema certamente demandará debates, nos quais deverão ser identificados e separados, caso a caso, os reais descumprimentos de ordem discriminatória, moral e sexual das demais condutas compatíveis e adequadas ao convício social, sendo que estas não são passíveis de punição – como por exemplo, as meras exigências profissionais ou moderada inquietude do Deus Eros.

Temos, portanto, as Leis 14.611/2023 e 14.612/2023 como novos instrumentos ainda necessários atualmente, para amplificar fiscalizações e punições contra atos de discriminação e assédio moral e sexual, em que pese sigamos na esperança de que o implemento de conscientização sobre tais temas e a melhora na educação geral da sociedade possam, um dia, tornar essa espécie de normatização supérflua.

 

Sobre os autores

Bruno Herrlein Correia de Melo é sócio fundador do Herrlein & Lopes Advogados – escritório de advocacia com sede no Rio de Janeiro – RJ. É graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especializado (pós-graduado) em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pela UGF-RJ. Autor do livro “Fiscalização do Correio Eletrônico no Ambiente de Trabalho”, Editora Servanda. Co-autor do livro “Questões Atuais de Direito Empresarial, Volume II”. Co-autor do livro “Operações Societárias no Direito Nacional e Estrangeiro – Questões Atuais”. Autor de diversos artigos veiculados em sites jurídicos especializados sobre matéria trabalhista. Contato: herrlein@herrleinlopes.com.br

João Carlos Lopes Pacheco de Souza é sócio fundador do Herrlein & Lopes Advogados. O advogado tem vasta experiência em gestão do contencioso trabalhista de empresas dos mais diversos portes e segmentos, tendo atuado em processos estratégicos e em consultorias preventivas, realizando palestras, duediligence e negociações coletivas. Contato: lopes@herrleinlopes.com.br

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