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Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados

Decisões judiciais baseadas em argumentos consequencialistas?

Artigo escrito pela colunista Teresa Arruda Alvim*, sócia do Arruda Alvim, Aragão, Lins & Sato Advogados

A última frase do artigo que escrevi para esta coluna na semana passada dizia respeito a um problema que, a meu ver, é muito sério no Brasil. Este problema pode ser resumido na seguinte pergunta: se o Poder Judiciário deve decidir os conflitos que lhe são postos sob apreciação de acordo com o direito, como se pode compreender a frequência com que argumentos consequencialistas têm sido empregados para embasar decisões judiciais?

Não se nega, evidentemente, que a realidade deve ser considerada pelo juiz para tomar decisões. Mas daí a se afirmar que uma decisão de algum órgão do Poder Judiciário, principalmente aquelas dos Tribunais de Cúpula, que tem a responsabilidade de dar a última palavra sobre o sentido do direito, tanto no nível da legislação federal quanto no da Constituição, pode basear-se exclusivamente em argumentos consequencialistas, há uma grande distância.

De rigor, das decisões judiciais podem constar apenas fundamentos jurídicos.[1] A decisão, qualquer decisão, deve ser justificada à luz dos fatos da causa e do ordenamento jurídico.

Nesta medida, mais uma vez deve-se dizer que o juiz, ao fundamentar sua decisão, não é totalmente livre. De fato, por várias razões, o legislador não faz mais menção ao “livre” convencimento motivado.[2] Em face do ordenamento jurídico em vigor, como se sabe, o juiz “perde” o direito de interpretar a norma quando uma certa possível interpretação desta mesma norma está cristalizada em precedente vinculante.

Mas não é o que se vê por aí. Muito frequentemente, juízes se servem de argumentos consequencialistas para “fundamentar” suas decisões, “justificando” suas escolhas. Levam, portanto, em conta, elementos estranhos ao direito, que dizem respeito a possíveis impactos da decisão no mundo real.

É necessário que se faça aqui uma distinção entre fundamento e argumento. Fundamentos são elementos centrais da motivação; argumentos são elementos que orbitam em torno dos fundamentos, são um reforço, um elemento a mais, um “plus”.[3][4]

O juiz pode, sim, usar argumentos consequencialistas para decidir, mas não fazer destes argumentos o fundamento de sua decisão.

Mas isso não é pacífico. De um modo geral, percebe-se haver opiniões extremistas: uns consideram possível usar argumentos consequencialistas, como base única fundamental da decisão, sempre que isso se revelar necessário. No outro extremo, há os que entendem que argumentos consequencialistas jamais podem ser utilizados, porque não seriam jurídicos.

Na verdade, esse fenômeno não é novo. O que faz um juiz, por exemplo, ao projetar os efeitos da decisão no mundo real e negar uma liminar por causa do perigo do dano reverso?

O que faz o STF ao calcular os impactos dos efeitos puramente retroativos de uma decisão de procedência de Ação Direta de Inconstitucionalidade, de molde a, eventualmente, considerá-los tão nocivos, o que levaria à necessidade de decidir no sentido de que esses seriam apenas prospectivos?[5]

Trouxemos dois interessantes exemplos em que se utilizam argumentos consequencialistas.

1º) Na primeira decisão, há referência ao clássico “abalo financeiro para os cofres públicos”:

No mesmo sentido é a preocupação do já mencionado professor Fernando Scaff, que faz a seguinte ponderação: Isso aponta para o alcance do que está sendo debatido no julgamento em curso pois o voto menciona apenas a questão da CIDE, porém também está em jogo toda a sistemática de base de cálculo das contribuições sociais e previdenciárias.

Caso a Corte entenda pela inconstitucionalidade da contribuição, o STF estará tacitamente revogando o art. 195, I, CF, que prevê como base de cálculo das contribuições previdenciárias a folha de salários, acarretando a falência do regime contributivo para a previdência social pública brasileira, com repercussões fortíssimas não só nos cofres públicos, mas também na sociedade como um todo. (SCAFF, Fernando Facury. O uso da folha de salários como base de cálculo das contribuições. JOTA Info. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-uso-da-folhade-salarios-como-base-de-calculo-das-contribuicoes-07082020>. Acesso em: 16 set. 2020).”[6]

2º) O segundo, decisão que, ao cuidar da não incidência de contribuição previdenciária sobre salário-maternidade, faz referência ao impacto da decisão no mercado de trabalho feminino.

“Nesse sentido, a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Sessão Extraordinária, intitulada ‘Mulher 2000: Igualdade entre os Sexos, Desenvolvimento e Paz no Século XXI’, ocorrida em Nova York, de 5 a 9 de junho de 2000, reconheceu expressamente a existência da discriminação oriunda da condição de maternidade inerente à mulher:

A mulher e a economia

Embora a participação das mulheres na força de trabalho tenha vindo a aumentar de forma sustentada em todo o mundo, as desigualdades existentes com base no sexo têm-se intensificado em termos de salário e condições de trabalho.

As mulheres continuam a enfrentar barreiras que lhes tolhem a emancipação econômica e as capacidades empresariais. Entre esses obstáculos, contam-se a discriminação em termos de ensino, formação, contratação, acesso ao crédito, o direito à propriedade e à herança, níveis salariais mais baixos, promoção para trabalho igual e maiores responsabilidades domésticas. (…)

Responsabilidades laborais e familiares

A função reprodutora da mulher continuou a ser encarada como um estigma pelo mercado de trabalho. Num esforço para promover uma mudança de atitude, alguns governos aprovaram políticas para harmonizar as responsabilidades laborais e familiares em conflito. [26]” (sublinhados acrescidos).

(…)

Por esse motivo, a desoneração da mão de obra feminina é medida que se impõe, uma vez que, no atual sistema previdenciário, as mulheres são as principais beneficiárias do salário-maternidade e são elas que ficam afastadas durante o período de licença, de modo que o empregador já se verá obrigado a contratar outro funcionário ou deslocar alguém para a função desenvolvida por ela na sua ausência. É necessário, portanto, que o Estado não imponha quaisquer ônus adicionais a uma situação que já é, por si só, mais cara ao empregador, que não pode sofrer o desestímulo estatal para a contratação de mão de obra feminina”.[7]

Na minha opinião percebe-se claramente que no primeiro exemplo, o argumento consequencialista acabou sendo reduzido ao fundamento principal da decisão.

Enquanto que no segundo exemplo, acabou ocorrendo um fenômeno interessante e que permite que argumentos consequencialistas sejam utilizados: os argumentos são redutíveis a fenômenos jurídicos, isto é um argumento concebido no interior de um outro sistema foi, de certo modo, recepcionado pelo direito. Isso significa que é possível que ele seja tratado sob o aspecto jurídico, consistente na necessidade de respeito ao princípio da isonomia.

Esse é um primeiro requisito: argumentos consequencialistas só podem ser usados se couberem no universo jurídico, se puderem, por assim dizer, participar do sistema jurídico, porque nesse ambiente eles têm um nome e pertencem a uma determinada categoria.

É preciso que fique claro que argumentos consequencialistas possam ser reconduzidos ao plano jurídico. O direito tutela expectativas, que não podem ser frustradas por argumentos consequencialistas, que não consigam ser absorvidos pelo direito. É, como diz Alexandre Dutra, “no âmbito de princípios e direitos concorrentes que as consequências podem ser selecionadas e valoradas, logrando recepção no discurso jurídico para sua necessária ponderação”.[8]

Exemplo perfeito foi o encontrado pelo autor antes referido, Alexandre Pereira Dutra:[9]

“Mas não é só na hipótese da modulação de efeitos que o STF teve oportunidade de empregar considerações de consequência. Um bom exemplo a ser lembrado refere-se ao julgamento da ADI 1.946/DF, na qual a Corte decidiu que o teto de pagamento de benefícios previdenciários disposto no art. 14 da EC nº 20/98 deveria ser interpretado conforme à Constituição, de modo a excluir do seu âmbito de incidência o salário da licença à gestante prevista no art. 7º, XVIII. Entendeu-se que obrigar os empregadores a arcar com o salário da gestante no período da licença funcionaria como um incentivo negativo à contratação de mulheres no mercado de trabalho. Como afirmou o Relator Ministro Sydney Sanches, ‘Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá por apenas R$ 1.200,00 por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, XXX), proibição que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. (…) Não é crível que o constituinte derivado, de 1988, tenha chegado a esse ponto, na chamada Reforma da Previdência Social, desatento a tais consequências’.

Como se nota, a consequência considerada (desestímulo à contratação de mulheres) foi reconduzida ao princípio da igualdade, que busca combater a diferença de salários, exercício de funções e critérios de admissão entre homens e mulheres. À luz desse mandamento constitucional é que a consequência foi selecionada e valorada como juridicamente relevante.”

Recentemente, houve relevantes mudanças na LINDB, que autorizam abertamente àqueles que decidem em nome do Estado a usarem, em suas decisões, argumentos consequencialistas.

Em primeiro lugar, e isso deve ser dito em alto e bom som, essa lei foi redigida tendo em vista principalmente a figura do administrador e não do juiz. Há uma diferença fundamental entre o relacionamento destes dois personagens que representam o Estado com a lei: o administrador decide de acordo com a lei… E o juiz DIZ o que a lei DIZ. Isso significa basicamente que a interpretação que o juiz faz da lei, é a que vale, no caso concreto. O juiz praticamente diz o que é o direito, e isso fica, evidentemente, muito mais claro quando se pensa na função e na razão de ser dos Tribunais Superiores, ainda mais agora com a existência de precedentes vinculantes.

Então é imprescindível que a atividade interpretativa nos leve a um resultado diferente quando interpretando a LINDB dizendo respeito à atividade do administrador, e dizendo respeito à atividade do juiz. São, e tem que ser mesmo, atividades completamente diferentes.

Na verdade, as alterações que houve na LINDB, principalmente no art. 24, não devem ser vistas e compreendidas como uma “abertura exagerada” no que tange à possibilidade de interpretação, principalmente no caso do juiz. Ao contrário, fica o julgador adstrito a expor, na fundamentação, os porquês de a solução construída ser a melhor, do ponto de vista jurídico, levando-se em conta as consequências apresentadas pelas partes envolvidas no processo.[10]

Portanto, trata-se de um instrumento que contribui para a redução do subjetivismo das decisões judiciais, embora, à primeira vista, possa-se ter a impressão inversa.

A possibilidade de se usarem argumentos consequencialistas nas decisões judiciais gera, para o juiz, um dever a mais: o de descrever, minuciosamente, o impacto, no mundo dos fatos, da decisão tomada. Às partes, por outro lado, cabe o ônus de se desincumbir da demonstração de que essas consequências realmente viriam a ocorrer, por meio de prova técnica ou documental. Estão, portanto, ampliados “os ônus argumentativos das partes e o dever motivacional do juiz”.[11]

Seria irônico que uma possibilidade criada pela lei, com o objetivo de gerar mais segurança jurídica, acabasse, paradoxalmente, gerando um grau insuportável de subjetivismo nas decisões judiciais. A permissão escancarada de que os juízes fundamentem suas decisões com argumentos consequencialistas implicaria, de rigor, a negação do próprio direito.

As consequências projetadas como prováveis de acontecer como decorrência da eficácia da decisão não podem ser as que resultam de mera projeção das impressões “pessoais” do juiz ou das consequências nefastas que, à luz da óptica de cada uma das partes poderiam ocorrer: trata-se de estabelecer concretamente, o que provavelmente ocorreria no mundo empírico sendo tomada a decisão X ou Y.

A análise de provas, sejam documentais, sejam periciais, sempre fez parte da atividade do juiz. O que muda, como decorrência da possibilidade, agora ampliada, do uso de argumentos consequencialistas, nas decisões do juiz, é que os “fatos” a serem comprovados são fatos “futuros”: que muito provavelmente ocorrerão.

Tradicionalmente, a prova recai sobre fatos passados, que teriam (ou não) gerado o direito que o autor alega ter. No contexto de consequencialismo, os “fatos” que devem ser comprovados caracterizam o provável impacto que a decisão seja capaz de gerar, no mundo real. Essa circunstância pode levar a que a decisão seja X ou Y, mas sempre com apoio no direito.

E aí estão os segundos limites ao emprego dos argumentos consequencialistas: esta projeção não pode ser fruto de intuição ou do subjetivismo de quem decide. São necessários dados empíricos, estudos sérios para que o impacto de uma decisão possa ser estimado, e possam, então, legitimamente, interferir no MODO como ela seja tomada, i.e., no teor da própria decisão.

Imagine-se, por exemplo, o caso de uma Ação Civil Pública movida contra um empreendimento imobiliário, ainda incipiente, mas já com todas as unidades vendidas, tendo sido a liminar concedida por haver suspeita de irregularidades na concessão de licenças. Pode-se reverter essa decisão, demonstrando que empreendimentos imobiliários embargados no início não vingam, produzindo-se prova no sentido de que, normalmente, os compradores desistem, o que inviabiliza a obra, gerando prejuízos para a sociedade.

No caso citado, a solução seria exigir prova mais robusta do fumus, da “aparência do bom direito” do autor.

Embora, a meu ver, argumentos consequencialistas podem-se considerar jurídicos, no sentido lato, o fato é que o direito em sentido mais restrito não pode ser ignorado. Esse é o terceiro limite.

Dificuldades não autorizam, evidentemente, atuação judicial “contra legem”.[12] Nem lei, nem, obviamente, Constituição, podem ser desrespeitadas.

Assim, e por isso, nenhuma decisão judicial pode ter por base única: o perigo de esvaziamento dos cofres públicos, a iminência da quebra do erário, prováveis dificuldades de caixa etc.

É verdade que alguns desses argumentos podem ser “legitimados” pelo direito, i.e., ser transformados em argumentos jurídicos no sentido estrito. Por exemplo, o princípio da conservação da empresa pode fundamentar um pedido de parcelamento da dívida na execução.

Mas se a lei, como se disse antes, não pode ser ignorada, muitas vezes é verdade que essa comporta mais de uma interpretação, que leva à necessidade de uma escolha. E aí os argumentos consequencialistas podem, de certo modo, “desempatar”!

A possibilidade de que se empreguem argumentos consequencialistas no processo de tomada de decisão está, então, sujeita a três limites: (a) que o argumento possa, também, ser “visto” como jurídico, que seja recepcionado pelo universo jurídico; (b) essas consequências hão de ser estimadas/aferidas/projetadas por cientistas/técnicos/estudiosos do tema; (c) a norma jurídica posta há de ser respeitada e não, pura e simplesmente, criada, a partir dessa perspectiva que é, como procuramos demonstrar, complementar.

E mais! Aqueles que sustentam poder o juiz decidir com base exclusivamente em argumentos consequencialistas certamente imaginam que pode haver apenas um critério para avaliar positiva ou negativamente impactos da decisão no mundo empírico: mas não é assim, principalmente numa sociedade pluralista como a nossa.[13]

Basta pensar-se no exemplo de uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público contra Instituições Financeiras, durante a pandemia de Covid-19, pedindo que o juiz determinasse que estas pusessem funcionários seus na rua para organizar filas, exigindo o uso de máscaras e distância de 2 metros entre cada um, estendendo suas horas de trabalho. O Ministério Público trabalhista pede, ao contrário, que funcionários tenham reduzidas as suas horas de trabalho por dia. Esse exemplo é interessante para ilustrar possíveis impactos de decisões sobre esse mesmo tema, horário de trabalho, visto a partir de dois pontos de vista diferentes.

Daí o perigo dos argumentos consequencialistas quando utilizados como base da decisão: não geram nem mesmo a desejável uniformidade do direito.

 

Referências bibliográficas

ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

CAMPOS, Ricardo. A transformação da jurisdição constitucional e o perigo do consequencialismo. Conjur. Disponível em: www.conjur.com.br/2020-fev-11/ricardo-campos-jurisdicao-constitucional-perigo-consequencialismo. Acesso em: 11 fev. 2020.

DUTRA, Alexandre Pereira. Argumentação consequencialista no direito: modelo teórico e exemplos de aplicação. Revista de Doutrina TRF4. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao064/Alexandre_Dutra.html. Acesso em: 30 out. 2023.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017.

PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais: o controle da interpretação dos fatos e do direito no processo civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

SILVA, Maceno Lisboa da. O pragmatismo ou consequencialismo econômico e a modulação temporal de efeitos das decisões judiciais do STF em matéria tributária. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, São Paulo, v. 5, n. 24, p. 225-243, mai./jun. 2020.

 

Notas:

[1] “O primeiro princípio refere-se ao dever do juiz em preservar a autonomia do direito, fundamentando suas decisões apenas em argumentos de princípio, compreendidos como padrões normativos intersubjetivamente compartilhados pela comunidade jurídica e em argumentos morais, políticos e econômicos. A pergunta a ser feita, nesse primeiro momento, é: está sendo respeitada a autonomia do direito?

Vale ressaltar, nesse ponto, que uma das bandeiras da crítica hermenêutica do direito corresponde ao respeito aos limites semânticos da lei na interpretação do direito, como uma forma de preservação do regime democrático, mediante as escolhas feitas pela vontade do povo por meio do Poder Legislativo (Sobre esse ponto, cfr. STRECK, Lenio. Aplicar a “letra da lei” é uma atitude positivista? Novos Estudos Jurídicos, v. 15, n. 1, jan.-abr. 2010. p. 158-173)”. (PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais: o controle da interpretação dos fatos e do direito no processo civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 65).

[2] Nesse sentido, a doutrina: “Por essa razão, o CPC/2015 extirpa a palavra ‘livre’ do texto legal (art. 371), em evidente ruptura com o paradigma anterior. O signo linguístico ‘livre’ possibilitava uma interpretação inadequada ao princípio metodológico negativo do modelo baseado na persuasão racional. Isso porque a liberdade na valoração da prova apostava em um critério discricionário pelo qual juízes poderiam formar sua convicção livremente, bastando fundamentá-la para que a decisão estivesse legitimada, o que evidencia um critério meramente formal relativo à motivação das decisões judiciais, lastreado, ainda, no paradigma da filosofia da consciência.

O raciocínio probatório e a valoração das provas não são livres. O juiz não pode chegar a qualquer decisão, desde que a motive. O direito deve ser uma instância controlável intersubjetivamente, de modo que a fundamentação sobre os fatos (mas não só ela) deve vir acompanhada de critérios de controle, especialmente no que tange às razões empregadas pelo juiz para justificar as questões de fato de sua decisão”. (PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Fundamentação das decisões judiciais: o controle da interpretação dos fatos e do direito no processo civil. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 95).

[3] “Para uma visualização mais geral da tese, é possível dizer que ‘fundamentos’, ou ‘argumentos capazes de determinar por si só’ o resultado do julgamento são os elementos centrais, os núcleos, da alegação das partes e os ‘argumentos’, ou ‘simples reforços’, são os elementos que os orbitam, para fins de corroboração. E, complementando, também se diz que o juiz tem o dever de examinar e justificar a procedência ou não dos elementos centrais das alegações das partes, mas não dos elementos que os orbitam”. (KOCHEM, Ronaldo. Fundamentando decisões: uma doutrina lógico-argumentativa. Londrina: Thoth, 2021. p. 201 – grifos no original).

[4] Tratando da utilização de argumentos consequencialistas no contexto da modulação de efeitos, ressalta Maceno Lisboa da Silva: “Desse modo, percebe-se que não é vedado ao magistrado utilizar argumentos consequencialistas para fundamentar a aplicação da modulação de efeitos, mas esses argumentos apenas podem ser utilizados de modo cumulativo ou como reforço dos princípios constitucionais envolvidos, de modo a maximizar os valores em questão.” (O pragmatismo ou consequencialismo econômico e a modulação temporal de efeitos das decisões judiciais do STF em matéria tributária. Revista de Direito Tributário Contemporâneo, São Paulo, v. 5, n. 24, p. 225-243, mai./jun. 2020. RT Online, p. 7).

[5] É o que parte da doutrina denomina como decisões transitivas ou transacionais. Bernardo Gonçalves Fernandes afirma que em países como a Áustria, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal, paulatinamente passou-se a admitir certa flexibilização quanto aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Nesse aspecto, a Corte Constitucional alemã reconheceu a existência de decisões de inconstitucionalidade sem efeito ablativo, baseando-se justamente na possibilidade de que a retirada de determinada norma do ordenamento jurídico poderia gerar mais danos do que a presença da lei inconstitucional. Há, ainda, os casos de declaração de constitucionalidade de norma “ainda” constitucional ou declaração de constitucionalidade provisória ou inconstitucionalidade progressiva. A respeito, v.: FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 1584-1589.

[6] STF, RE 603624, Tribunal Pleno, rel. Min. Rosa Weber, rel. p/ acórdão Min. Alexandre de Moraes, j. em 23.09.2020, Processo Eletrônico, Repercussão Geral, Mérito, DJe 13.01.2021.

[7] STF, RE 576967, Tribunal Pleno, rel. Min. Roberto Barroso, j. em 05.08.2020, Processo Eletrônico, Repercussão Geral, Mérito, DJe 21.10.2020.

[8] DUTRA, Alexandre Pereira. Argumentação consequencialista no direito: modelo teórico e exemplos de aplicação. Revista de Doutrina TRF4. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao064/Alexandre_Dutra.html. Acesso em: 30 out. 2023. (g.n.)

[9] DUTRA, Alexandre Pereira. Argumentação consequencialista no direito: modelo teórico e exemplos de aplicação. Revista de Doutrina TRF4. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao064/Alexandre_Dutra.html. Acesso em: 30 out. 2023. (g.n.)

[10] Nesse sentido, ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. item 8.4.4.3, p. 1298.

[11] Ainda, ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. item 1.13.5.8, p. 367.

[12] Na mesma linha, ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. item 1.13.5.8, p. 367. Claro está que há imensas dificuldades em se diferenciar um fundamento “contra legem” de um fundamento que seria fruto da “interpretação” da lei, muito distante da literalidade do texto, mas de acordo com o ordenamento jurídico. Esse talvez seja um dos maiores problemas da vida do direito, contemporaneamente.

[13] CAMPOS, Ricardo. A transformação da jurisdição constitucional e o perigo do consequencialismo. Conjur. Disponível em: www.conjur.com.br/2020-fev-11/ricardo-campos-jurisdicao-constitucional-perigo-consequencialismo. Acesso em: 11 fev. 2020.

 

Sobre a autora:

*Livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC-SP. Professora Associada nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da mesma instituição. Professora Visitante na Universidade de Cambridge – Inglaterra. Professora Visitante na Universidade de Lisboa. Membro nato do Conselho do IBDP. Honorary Executive Secretary General da International Association of Procedural Law. Membro Honorário da Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile, do Instituto Paranaense de Direito Processual. Membro da Accademia delle Scienze dell’Istituto di Bologna, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, do Instituto Panamericano de Derecho Procesal, do Instituto Português de Processo Civil, da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, da APD, do IAPPR e do IASP, da AASP, do IBDFAM e da ABDConst. Membro do Conselho de Assessores Internacionais do Instituto de Derecho Procesal y Practica Forense de la Asociación Argentina de Justicia Constitucional. Membro do Conselho Consultivo da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – CAMFIEP. Membro do Conselho Consultivo RT (Editora Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais). Coordenadora da Revista de Processo – RePro, publicação mensal da Editora Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais. Relatora da Comissão de Juristas, designada pelo Senado Federal em 2009, que redigiu o Anteprojeto de Código de Processo Civil. Relatora do Anteprojeto de Lei de Ações de Tutela de Direitos Coletivos e Difusos, elaborado por Comissão nomeada pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2019, (PL 4778/20). Advogada.