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Disputas

'Houve uma sofisticação dos instrumentos de investigação'

Em entrevista, Natasha do Lago, sócia do Raó & Lago Advogados, comenta tópicos atuais do cenário de Direito Penal. A advogada apresentará a roundtable "Responsabilidade penal dos gestores de fundos e dirigentes empresariais" na 4ª edição do Finance & Law Summit and Awards, que acontece nesta quinta-feira, 1º de junho, no WTC Convention Center, em São Paulo

O Ráo e Lago possui uma trajetória notória, tendo sido fundado em 1987 pelo advogado e ex-Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos. Dentro desses 36 anos de tradição, quais as principais mudanças percebidas no cenário jurídico brasileiro dentro da área de Penal Empresarial e como o escritório se mantém em consonância com as demandas do mercado atual? Para além disso, quais os diferenciais que ajudam a manter o escritório como uma referência do Penal?

O direito penal empresarial vem se consolidando cada vez mais, com crescente interação das autoridades que atuam na persecução com autarquias como CVM e Banco Central, além de órgãos como a Receita Federal. Podemos dizer que houve uma sofisticação dos instrumentos de investigação e atuações conjuntas que maximizam as possibilidades de punição, nem sempre alinhadas com uma garantia efetiva dos direitos do acusado ou investigado.

O escritório atua em causas interdisciplinares há décadas, representando executivos e demais acusados com discrição e partindo de uma abordagem técnica altamente qualificada. Cada processo ou investigação é acompanhado de perto pelos advogados e de forma quase artesanal, com propostas de resolução individuais que consideram a realidade de cada negócio.

 

Historicamente, há decisões no sentido de uma responsabilização respaldada no cargo exercido pelos dirigentes de empresas. Com isso, assumir uma posição de liderança em uma empresa pode acarretar um risco penal. Como tal dispositivo se contrapõe aos princípios que norteiam o Direito Penal e Processual Penal e quais os maiores desafios encontrados pela defesa nesses casos?

A responsabilização com base no cargo contraria a própria lógica do direito penal, que apenas deve incidir se houver conduta grave praticada por pessoa determinada. Deter cargo de liderança não é crime e, em grandes empresas, é virtualmente impossível controlar todos os processos ou mesmo tomar conhecimento de eventual conduta inadequada praticada por funcionário que venha a ser acusado por infração penal. O que se pode exigir de gestores é que adotem controles para coibir comportamentos ilegais, mas isso não pode significar uma transferência de responsabilidade por condutas de terceiros, como se os atos do subordinado fossem praticados pelo superior sem que exista ordem direta ou omissão penalmente relevante. Transparência interna é um fator que ajuda a entender responsabilidades no contexto empresarial, mas, na prática, os órgãos de acusação ainda possuem dificuldades de entender o funcionamento da empresa e acabam iniciando processos sem aprofundar quais atribuições exatamente competem a cada acusado.

 

Como a responsabilização penal em razão de cargo de direção se contrapõe à teoria do domínio do fato? Como o tema evoluiu nos últimos anos diante do desenvolvimento do Direito Penal Econômico?

A teoria do domínio (funcional) do fato foi desenvolvida na Alemanha, para justificar a responsabilização de superiores hierárquicos pelos crimes de seus subordinados durante o nazismo. Isso apenas valeria, na origem da teoria, para sistemas organizados que operassem à margem do direito, de forma ilícita. No Brasil, a teoria foi estendida para alcançar empresários por crimes cometidos no contexto da empresa, como se esses crimes fossem, de algum modo, resultado da relação entre os colaboradores e a pessoa jurídica que exerce atividade lícita. Essa interpretação não apenas não corresponde ao sentido original da teoria como contraria as regras de responsabilidade penal no direito brasileiro, que dependem da ocorrência de conduta, seja por ação, seja por omissão, quando houver dever de agir.

 

Você poderia comentar como questões midiáticas impactam um processo criminal? Quais abordagens preventivas e de mitigação de riscos em relação à imagem de quem responde criminalmente podem ser usadas de forma estratégica para evitar a arbitrariedade no julgamento de réus em casos notórios?

Questões midiáticas geralmente impactam de forma negativa o processo penal, tanto pela publicização de acusações que podem, ao final, ser afastadas, como pela pressão popular que pode se seguir sem que exista, necessariamente, fundamento. Há um risco muito grande de publicidade opressiva nesses casos.

Por determinação constitucional, todos são presumidos inocentes até que ocorra condenação definitiva, obtida por meio de processo em que os direitos do acusado são respeitados. A transposição dessa discussão para espaços em que o direito de se contrapor à acusação e ser presumido inocente não é respeitado gera o risco de antecipar uma punição social sem que exista realmente responsabilidade.

 

Dentre os mecanismos trazidos pelo pacote anticrime (Lei 13.964/19), há um destaque nas discussões acerca do Acordo de Não Persecução Penal. Quais os impactos do ANPP no devido processo legal e como responder criminalmente impacta na decisão de celebrar um Acordo de Não Persecução Penal? Como se daria a aplicação do instituto processual da forma mais favorável ao cliente?

O ANPP é um instrumento muito bem-vindo para diminuir a quantidade de processos pendentes no sistema judiciário brasileiro. Diferentemente da delação premiada, ele não exige que o acusado incrimine outras pessoas, podendo ser utilizado para acusações com pena mínima inferior a quatro anos, desde que não envolvam violência ou grave ameaça, sem gerar antecedentes criminais. O único inconveniente é que o acusado precisa confessar a prática de crime, o que pode, eventualmente, gerar alguma consequência negativa em processos administrativos que tratem dos mesmos fatos. Uma aplicação mais favorável passaria pelo alinhamento de estratégias em todas as áreas impactadas, ponderando os benefícios em cada situação concreta.