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Pessoas & Gestão

IBA Paris 2023: Painel aborda as tendências da profissão jurídica

Experts de diversos países debateram sobre as particularidades da atuação dos profissionais do Direito em suas localidades

Um dos primeiros painéis do primeiro dia de conferência do IBA em Paris, nesta segunda-feira (30/10), foi sobre as tendências da profissão jurídica em 2023, formado por um time de experts global: Geraldine Olagnol-Harrouet, Julie Norris, Paul Paton, Nuanporn Wechsuwanarux, Eduardo Quintanilla, Frederica Wilson, Christina Blacklaws.

Foi colocado um questionamento sobre como os advogados são regulados em suas diversas jurisdições, com o objetivo de delinear as principais alterações feitas nos últimos anos, principalmente em relação a cultura e tecnologia.

Julie, do Reino Unido, afirma que existem nove profissões legais, e cada uma delas tem regulação própria, e oito objetivos definidos por lei, que incluem apoiar o estado de direito, proteger e promover o interesse público, entre outros. Um novo objetivo está sendo apresentado, relacionado a iniciativas contra o financiamento de terrorismo e lavagem de dinheiro. Ela afirma, ainda, que a principal inovação de regulamentação interna da prática da advocacia é relacionada a cultura dentro dos próprios escritórios. Atualmente, existem programas no Reino Unido que buscam analisar o que é uma cultura positiva, que tipo de comportamentos devem ser promovidos, e que estão comprometidos a penalizar firmas e indivíduos que não sigam esses padrões. Os próprios sócios dos escritórios de advocacia têm obrigações impositivas de intervirem em situações consideradas inapropriadas que presenciarem no ambiente de trabalho, sob pena de serem também penalizados.

Frederica, do Canadá, afirma que as profissões legais são autorreguladas no país, não tendo supervisão de órgãos oficiais específicos do governo. A mesma agência que supervisiona todas as profissões, também supervisiona a profissão legal. Para ela, existe um standard que os advogados devem harmonizar dentro da profissão. Duas mudanças importantes nos últimos anos, nesse sentido, foram a obrigação dos advogados de reportar transações consideradas agressivas para a autoridade tributária, mesmo que esta envolva diversos advogados, todos são obrigados a reportar e abrir a confidencialidade dessa operação, com penas significativas caso não o façam; e estabelecer um regulador específico para os advogados e paralegais, com o início de um comitê de indivíduos inseridos na atividade legal.

Geraldine, da França, afirma que existe uma organização que representa todos os profissionais legais no país, cujo principal objetivo é unificar e publicar o standard da profissão. Existem também unidades da associação de advogados em cada cidade da França, que defendem e regulam os interesses dos advogados locais. Ela também afirma que o principal desenvolvimento recente sobre a questão foi a legislação de regulamentação de IA. Os escritórios estão cada vez mais integrando a tecnologia na profissão legal.

Eduardo, da Bolívia, afirma que são regulados pela associação de advogados nacional, que é baseada em regulamentações, define os limites éticos e até sanções previstas diretamente pelo Ministro da Justiça. Não há limites para as estruturas da profissão legal, há uma variedade de estruturas de escritórios, e a maioria usa a forma de parceria civil. Segundo ele, a Bolívia está focada em programas que combatem a lavagem de dinheiro. Advogados e contadores estão atuando juntos nesse tipo de regulamentação, e a principal controvérsia acaba sendo a confidencialidade entre os clientes e advogados e transparência com o governo.

Paul, dos Estados Unidos, afirma que há variações nas regulações em cada estado da federação, apesar de existir uma associação de advogados nacional. Ele ainda pontua que uma das principais controvérsias da atividade jurídica é em relação a transparência dos advogados com o governo, a confidencialidade dos advogados com os clientes e impossibilidade dos advogados se tornarem agentes governamentais caso essa regra se torne muito elástica. Outros pontos que ele trouxe foram em relação a necessidade de regulamentação da atividade dos paralegais, e também das plataformas de IA generativo.

Na Tailândia, segundo Nuanporn, a agência governamental não é tão ativa na atualização das regulamentações dos advogados. Em termos de operação, ela nota um aumento no uso de IA e um aumento de atividade na educação legal, que tem se mostrado mais ativa e inovadora, além de promoverem cada vez mais programas internacionais.

Em relação à inteligência artificial, os painelistas trouxeram vários pontos interessantes, além da visão e atuação de seus países em relação ao uso da ferramenta.

Para Christina, do Reino Unido, IA generativa é diferente porque cria novo conteúdo, combinando a força computacional com análise linguística, ou de imagem, de maneira quase instantânea. Para os advogados, a questão linguística é a mais relevante. Pode ser animador ou assustador ver a análise de pareceres complexos, em segundos. Contratos, due diligence, pareceres, no futuro, podem ser feitos de maneira quase instantânea. Seu uso também é significativo para a educação dos profissionais legais. Ela firma também que as grandes firmas não usam apenas ChatGPT, mas usam GPT4 e criam suas próprias ferramentas de maneira privada, e as inovações serão cada vez mais impressionantes, principalmente quando alocadas na compreensão de um contexto.

Paul relembrou um caso famoso em Nova Iorque, de um advogado que usou o ChatGPT para fazer uma análise perante um juiz. A ferramenta não só gerou o texto, mas também gerou casos que não existiam. Para ele, a principal discussão está ainda no caráter ético do uso das ferramentas de IA generativo.

A França, de acordo com Geraldine, conduziu um estudo sobre o impacto da ferramenta na atividade jurídica. Segundo este estudo, quatro entre cinco advogados acreditam que serão mais eficientes usando AI generativo. Em primeiro lugar, para pesquisa, em segundo, para redação e, em terceiro, para tradução. Para ela, o caráter ético do uso da ferramenta, a confidencialidade dos dados, a proteção da propriedade intelectual e as “alucinações” das ferramentas, que criam informações falsas, são as principais questões a serem discutidas na atividade jurídica.

Ainda segundo Geraldine, usar seu próprio algoritmo, treinado pelo seu próprio material, além de ferramentas de proteção, é essencial. A qualidade da ferramenta é o ponto. É por isso que grandes firmas estão trazendo essa tecnologia para dentro, e não usando ferramentas disponíveis a público. Alguns reguladores também estão impondo obrigatoriedade de informar ao cliente o uso da ferramenta, além da checagem e validação das informações fornecidas por IA generativo.

Frederica aponta que, no Canadá, a associação de advogados tem imposto que os advogados informem quando e como usaram inteligência artificial em um caso. O approach é guiar e educar. Há também a criação de sandboxes de inovação, testando serviços e aplicações que ainda não são aprovadas, em um lugar de experimentação, para determinar se o uso pode ser aprovado e que tipo de regulamentações seriam necessárias para tanto.

Paul ainda nota que, nos Estados Unidos, a comissão de ética da associação dos advogados afirma que os advogados tem que ser tecnologicamente competentes, apesar de o termo ainda ser bastante debatido.

Nuanporn pontuou que, na Tailândia, a legal tech é plenamente adotada na atividade e que os advogados reconhecem sua importância, desafios e oportunidades.

Por fim, antes de abrirem para perguntas, Eduardo trouxe uma relevante questão sobre não só a Bolívia, mas a América Latina como um todo. Segundo ele, os reguladores tem alguns problemas de ação e, na perspectiva dos escritórios, eles enxergam duas principais preocupações – a primeira, em relação a informações falsas geradas por inteligência artificial e, a segunda, sobre quem tem acesso a esse tipo de ferramenta, o que pode acabar gerando um aumento no gap de desigualdade. Ele também faz um grande alerta em relação a fusão dos escritórios.