No dia 31 de outubro de 2023 foi publicada a Lei 14.711 que trouxe significativa modificação no sistema de garantias, dando origem à nova normativa para os respectivos registros públicos e criação de um novo sistema de execução extrajudicial das garantias contratuais.
Da leitura inicial da lei, visualiza-se como sua pretensão expressa o aperfeiçoamento da regulamentação relativa às operações de crédito e suas garantias, como também os meios de execução desses direitos com vistas à recuperação de crédito.
Subjetivamente, a nova norma promete maior disponibilidade de crédito com a utilização de um mesmo bem como meio garantidor para mais de uma operação, busca promover a recuperação de crédito com a redução dos custos decorrentes das transações financeiras e, como mudanças de maior impacto, a ampliação da concorrência e a permissão da gestão/condução dos meios executivos extrajudiciais das garantias pelos cartórios de registros públicos, bem como maior eficiência da recuperação de crédito.
Dentre as principais mudanças consignadas pela Lei 14.711/2023 houve alterações na Lei 9.514/97 (Lei de alienação fiduciária de bens imóveis), no Código Civil (agente de garantia e hipoteca), na Lei 17.476/2017 (constituição de gravames), na Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), no Decreto 911/69 (alienação fiduciária de bens móveis) e na Lei 6.766/79 (Lei do parcelamento do solo urbano). Ainda, nos capítulos III e IV foi criado o procedimento de execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, a execução da garantia em concurso de credores e consequentes alterações nas Leis 9.492/97 (Lei dos Protestos) e Lei 8.935/94 (Lei do Notários e Registradores) para lhes conferir a atribuição de gestão/condução do procedimento executivo extrajudicial.
Do ponto de vista da natureza da garantia, a Lei do Marco Legal das Garantias trouxe alternativas para o desenvolvimento das operações, com singularidades para os créditos com alienação fiduciária e com hipoteca.
Na alienação fiduciária superveniente haverá possibilidade de o mesmo bem dado em garantia em um contrato ser utilizado pelo devedor em outras operações para obtenção de crédito, com formato menos burocratizado, mas dentro do limite do valor do bem. Ressalta-se que obrigação primária possuirá prioridade para excussão da dívida, nos termos do que define o art. 2º A, que incluiu o § 4º no art. 22, da Lei 9.514/1997.
Como espécie de modalidade de divisão da mesma garantia tem-se ainda a chamada alienação fiduciária recarregável, na qual será reutilizada a garantia com o mesmo credor para obtenção de mais crédito, podendo ser feito até mesmo por meio de instrumento aditivo do contrato original.
Outras inovações trazidas pela Lei 14.711/23 referem à expropriação dos bens que constituem as garantias contratuais não alcançarem o valor da dívida ou o produto não for suficiente para quitação do débito, destacando-se as possibilidades de o credor aceitar lance no valor de metade da avaliação do bem, o devedor continuar obrigado pelo saldo remanescente perante credor e o fiduciário ficar investido na livre disponibilidade do imóvel e exonerado da obrigação (art. 27, parágrafos 4º, 5º e 5-A da Lei 9.514/1997).
Ainda, relativo ao termo de quitação e como novidade do ponto de vista sancionatório, haverá possibilidade de aplicação de multa para aquele credor que não entregar o termo de quitação ao devedor após o adimplemento da dívida no prazo de 30 dias.
Já em relação à hipoteca, esta garantia real poderá ser também agora executada extrajudicialmente, desde que expressamente contratado. Ou seja, para as cédulas firmadas anteriormente à Lei 14.711/2023, não haverá possibilidade de execução das garantias pela via que não seja a judicial.
Soma-se a isso que, concluída a alienação extrajudicial ou leilão do bem hipotecado, a certificação da arrematação por terceiro e a própria venda do bem serão formalizadas por meio de ata notarial.
No tocante ao aspecto procedimental, foi criada a figura do agente de garantia para figurar como auxiliar do credor para avaliação, gestão e registro dos bens e execução das garantias, atuando, inclusive, em ações judiciais. A personificação de um auxiliar para execução de um contrato já existia no mundo das transações financeiras, porém ainda não havia previsão legal com a definição da sua função específica dentro da operação.
Com isso, observa-se uma evidente tentativa de redução da judicialização da execução das garantias ao transferir a atribuição até então somente do judiciário para o tabelionato, mas com ampliação e maior autonomia de atuação frente às cobranças, como por exemplo a possibilidade de o escrivão dar fé-pública nos instrumentos contratuais acerca do inadimplemento e/ou frustração dos contratos
Sobre este aspecto da ampliação da atuação dos cartórios extrajudiciais, a Lei do Marco Legal das Garantias conferiu aos credores a possibilidade de delegar aos tabelionatos poderes para negociação das dívidas. Igualmente, eles poderão emitir certidões de registro civil para prova de vida e proceder com intimações a seu critério, inclusive por meio de aplicativo de mensagem ou outros aplicativos multiplataforma de mensagens instantâneas, consoante alteração do art. 11-A da Lei 9.492/1997 com a novidade acrescida no inciso II do dispositivo.
Em linhas gerais, a iniciativa do Marco Legal das Garantias é positiva, como corolário da Lei da Liberdade Econômica, que confere maior autonomia e responsabilização contratual entre as partes, com estímulo à concessão do crédito e auxílio na resolução e na prevenção de conflitos, que certamente privilegiará o alcance da segurança jurídica nas relações, efetivando-se a intenção legislativa.
Portanto, conclui-se que o Marco Legal das Garantias disponibiliza grandes e significantes mecanismos de excussão de garantias, tendo por objetivo a celeridade, a otimização dos atos e a diminuição de judicialização de demandas, mas, somente na prática, com a aplicação da nova norma, é que conheceremos os pontos sensíveis e os desafios advindos dessa nova Lei.