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Disputas

O atual cenário da recuperação judicial no Brasil e as tratativas da nova regulamentação

A abertura do capítulo "General Business Law: North" possui autoria de Roberto Tamer Xerfan Jr, Leonardo Xerfan e Raul Fraiha sócios do Xerfan Advocacia

O Direito Falimentar tem suas raízes históricas na Roma Antiga, quando, em 428 a.C, foi editada a Lex Papiria, cuja inovação legislativa previa que os bens do devedor (e não sua pessoa) deveriam servir de garantia aos seus credores. Estava assentado o primeiro marco do princípio da autonomia patrimonial. Apesar do grande avanço, o viés repressivo e punitivo em face do devedor se manteve ao longo dos séculos.

Foi somente com o surgimento das grandes indústrias e intensificação do processo de globalização que houve uma transição no foco: passa-se a priorizar a manutenção de um Estado socioeconômico saudável em detrimento da punição do devedor. Assim, a repercussão socioeconômica da inadimplência do empresário (que não mais é apenas comerciante individual) passa a ser questão primária na dinâmica jurídica.

Desta forma, o direito falimentar moderno, que possui enfoque na relevância das atividades econômicas para o progresso da sociedade, passou por grandes mudanças, notadamente no Brasil, com a edição da Lei 11.101/2005, cujo ponto central é justamente a concepção da Recuperação Judicial, tendo como principal objetivo a preservação da empresa, dos empregos, do pagamento de imposto e de tudo que envolve a atividade empresarial.

Nesse sentido, temos que o instituto da Recuperação Judicial tem o propósito de viabilizar a continuidade das atividades empresariais, ao ponto em que abre um canal judicial para negociação de dívidas e estipulação de um cronograma planejado para que a empresa possa se manter no mercado.

Para isso, é necessária a formulação de um plano de recuperação judicial, que se trata de um grande acordo entre a empresa e seus credores para que, uma vez aprovado em assembleia, possa surtir efeitos e viabilizar tanto a continuidade da atividade empresária quanto o pagamento de suas dívidas, cenário indiscutivelmente melhor que a falência e liquidação da empresa.

No plano de recuperação judicial, é comum ser aprovado deságio nos créditos, descontos esses que em muitos casos se mostram vitais para o adimplemento do plano. Da mesma forma, o parcelamento sustentável da dívida é essencial para o sucesso do instituto.

Recentemente, no Brasil, no ano de 2023, houve um crescimento do número de pedidos judiciais de recuperação de empresas, elevação percentual de 68,7% em comparação com o ano de 2022.

Por certo tanto a pandemia do COVID-19 quanto a alta da taxa de juros, que saltou de 9,25% em janeiro de 2022 para 13,75% em setembro daquele ano, tendo permanecido neste patamar até junho de 2023, impactaram no cenário descrito. Tal repercussão decorre justamente do encarecimento das dívidas das empresas. Da mesma forma, espera-se que o arrefecimento da taxa de juros, atualmente em 10,75%, impacte para uma leve diminuição dos pedidos de recuperação judicial.

Podemos destacar aqui grandes empresas como a Oi (OIBR3), empresa de telecomunicações, Americanas (AMER3), setor de varejo, empresas listadas na bolsa brasileira e mesmo dispondo de recursos do mercado de capitais aberto optaram pelo auxílio da lei de nº 11.101/2005.

Um setor que merece atenção é o do agronegócio, que movimenta bilhões para a economia brasileira, correspondente a cerca de 23,8% do PIB (produto interno bruto) do país, sendo ainda de grande importância para a subsistência do mundo. Os dados apontam que houve uma explosão do número de pedidos de recuperação judicial neste setor no percentual de 535%, em comparação ao último ano. In fact, é válido relembrar que este é um dos setores que mais é afetado com a alta de juros nacional e global.

Não somente houve uma explosão da quantidade de pedidos de recuperação, mas também houve um aumento de 79,8% dos valores das ações judiciais de recuperação judicial ajuizadas no ano de 2023, em comparação ao ano passado, o que monetariamente corresponde a uma diferença de R$27,8 bilhões de reais, ou de US$ 5,38 bilhões de dólares correntes.

No Pará, estado situado ao norte do Brasil, na Amazônia, o CNJ (Conselho Nacional De Justiça) registrou cerca de 814 novos pedidos de recuperação judicial no último ano, representando cerca de 44,33% dos pedidos do total de novos casos da região norte do país.

Estes valores e percentuais demonstram a importância e a necessidade que as empresas possuem em utilizar o poder estatal para se sustentar e permanecer no mercado durantes os tempos de crise.

Apesar disso, infelizmente são poucos os casos que efetivamente trazem a recuperação à empresa e conseguem inserir novamente ela no mercado. Esse é um cenário ruim não somente ao empreendedor, mas para os próprios credores daquele negócio que em muitos casos podem a chegar a não receber completamente os seus valores, causando prejuízo direto as partes envolvidas naquele processo, e indireto a toda sociedade.

Trazendo isso para números, somente cerca de 25% dos pedidos de recuperação judicial, efetivamente, surtem os efeitos esperados e conseguem recolocar as empresas solicitantes no mercado. Em outras palavras, somente 01 entre 04 empresas sai bem-sucedida do processo de recuperação judicial.

Esse cenário é alarmante, já que traz à tona a ineficiência dessa ferramenta judicial, o que denota a necessidade de uma adequação da lei para que alcance a sua finalidade. Esse é um dos argumentos que trouxe de volta a tona a discussão de mudanças da lei de recuperação e falências.

É nesse contexto atual que vem sendo debatido o projeto de lei nº 3/2024, que altera e atualiza diversos dispositivos da atual lei. Já com a aprovação da câmara dos deputados, o texto da lei segue para debate e aprovação no senado.

Com intenção de trazer celeridade ao processo de recuperação judicial, a nova lei ainda propõe uma maior proteção à empresa, melhores descontos de dívidas tributárias e a própria venda dos bens da empresa aos credores.

A principal questão atual é: Conseguirá a nova lei melhorar os índices das empresas que efetivamente alcançam a recuperação judicial no Brasil?

O quadro ainda é de discussão acalorada e nova lei ainda pode passar por fortes mudanças, portanto, seria prematuro cravar que o projeto de lei é assertivo ou não. Porém, é de bom grado que a análise dela esteja caminhando a passos largos, posto que conforme aqui mostrado esse tema vem crescendo perante os tribunais brasileiros, o que indica a sua essencialidade de sua utilização e a necessidade da preservação de empresas brasileiras frente aos obstáculos que se põem sobre a caminhada do empreendedor.