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ESG

'O Brasil concentra 15% do potencial global de captura de carbono'

No dia 18 de junho, o Araúz Advogados apresentará na 5ª edição do Filasa o painel “Oportunidades do Mercado de Carbono nos Negócios”. Nesta entrevista, a sócia Rafaela Parra adianta os principais pontos acerca desta questão.

Como você descreveria o panorama atual do mercado de carbono no Brasil e no mundo?

No Brasil, o mercado regulado de carbono ainda está em desenvolvimento (PL 182/24 do Senado Federal; Antigo 2.148/15 da Câmara dos Deputados), mas há um crescente interesse tanto do setor privado quanto do público em iniciativas de redução de emissões e compensação. Segundo a Mckinsey & Co., há uma tendência de crescimento da demanda, e um dado interessante é que o Brasil concentra 15% do potencial global de captura de carbono. Em 2021 o mercado era de US$ 1 bilhão, e a estimativa é que chegue a US$ 50 bilhões até 2030.

Globalmente, o mercado de carbono é mais estabelecido, com várias iniciativas e sistemas de precificação de carbono em vigor, como o Esquema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS) e o Mercado de Carbono da Califórnia.

Durante a Conferência do Rio (ECO 92), foi celebrada a Convenção-Quadro Sobre Mudança do Clima, da ONU, cujo objetivo, desde então, era “alcançar (…) a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climática”.

No âmbito do Protocolo de Kyoto e, posteriormente, o Acordo de Paris, os países partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima chegaram em um acordo para combater as alterações climáticas decorrentes das intervenções humanas e, com isso, intensificar as ações e investimentos visando atingir um futuro sustentável mediante a redução das emissões de gases do efeito estudar (GEE).

A partir da regulamentação do art. 6 do Acordo de Paris, instrumentos de incentivo foram criados para os Estados-Partes e seus setores econômicos a se alinharem a uma política reducionista. Dentre elas: i) taxar as emissões (ou seja, o estado cobra do particular que emite – gera aumento da carga tributária); ii) criação do mercado de carbono, com o surgimento de crédito de carbono pela não emissão/redução, com possibilidade de compra e venda (cap and trade).

Através de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC’s), os Estados-Membros, desenvolvidos e em desenvolvimento, reconheceram a necessidade de empreender esforços no combate às mudanças climáticas e, assim, estabeleceram metas de redução a serem atingidas em determinados períodos temporais. O Brasil, por exemplo, comprometeu-se em reduzir 37% até 2025 e 43% até 2030. Com isso, mantém-se os limites e metas, possibilitando a negociação de créditos.

Quais são as principais regulamentações e acordos internacionais que impactam o mercado de carbono no Brasil?

O Acordo de Paris possui influência na regulamentação, tanto é que somente após a regulação de seu art. 6 é que discussões para um mercado regulado avançaram.

O Brasil possui legislação nacional relacionada às mudanças climáticas e ao mercado de carbono, como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei nº 12.187/2009) e o Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Decreto nº 7.390/2010). Essas políticas estabelecem metas de redução de emissões e promovem ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Além disso o PL que discute a implantação de um mercado regulado também tem forte impacto. O texto propõe o estabelecimento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), ambiente regulado submetido ao regime de limitação das emissões de gases do efeito estufa (GEE) e de comercialização de ativos representativos de emissão, redução ou remoção de GEE, com o objetivo de cumprir com as previsões da Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei no12.187/2009) e com os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

O sistema será implementado em cinco fases ao longo de 6 anos, tem como finalidade gerenciar as cotas brasileiras de emissão (CBE) e os certificados de redução ou remoção verificada de emissões (CRVE), cada um representando uma tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e).

O SBCE contará com uma estrutura organizacional composta por um órgão gestor, um deliberativo e um comitê consultivo permanente. Existem ainda previsões para consultas públicas sobre normas e procedimentos técnicos, bem como a destinação de recursos do SBCE para o Fundo Geral do Turismo e um fundo privado do BNDES para financiar pesquisas sobre tecnologia de descarbonização.

Diferentemente do proposto por outros projetos de lei que visam regulamentar o mercado de carbono no Brasil, o projeto de lei no 412/2022 não define os agentes regulados com base nos setores da economia, mas com base em um limiar mínimo de emissões. Nesse caso, os limiares de participação obrigatória propostos são de 10 mil e 25 mil toneladas de CO2 equivalente por ano por fonte ou instalação e se aplicam igualmente a todos os setores da economia, com exceção da produção primária agropecuária que foi expressamente excluída neste primeiro momento. Todavia as agroindústrias e cooperativas serão impactadas pelo PL.

A proposta também aplica aos créditos de carbono, comercializados fora do mercado regulado, regras criadas para os certificados de redução ou remoção de gases (CRVEs).

Assim, os créditos de carbono poderão ser gerados por projetos ou programas de preservação e reflorestamento ou outros métodos de captação de gases do efeito estufa. Os rendimentos obtidos com eles serão tributados pelas mesmas regras dos certificados.

A conversão dos créditos atuais em CRVE, no entanto, só será autorizada mediante comprovação da efetiva redução ou remoção de carbono segundo metodologia credenciada. Eles também deverão estar inscritos no registro central do SBCE.

Quando ocorrer uma compensação voluntária de emissões, ou seja, fora do ambiente regulado do SBCE, o certificado usado deverá ser cancelado no registro central.

E quais são os principais desafios legais e jurídicos enfrentados pelas empresas que participam do mercado de carbono?

Os principais desafios enfrentados pelas empresas que participam do mercado de carbono incluem conformidade com regulamentações locais e internacionais, transparência na contabilidade de emissões e compensações, além de questões legais relacionadas à propriedade e validade dos créditos de carbono, principalmente no mercado voluntário.

Quais são as oportunidades específicas que o mercado de carbono oferece para as empresas?

O mercado visa transformar a descarbonização em crédito, de modo que as empresas com emissões abaixo do limite imposto poderão transferir, mediante relações jurídicas onerosas, àquelas que não consigam atingir as metas. Problema: ainda não há efetiva implantação do SINARE e dos requisitos de certificação para o mercado regulado/mandatório. Solução: efetivar um mercado voluntário como forma de transição.

No mercado regulado, países se comprometem internacionalmente a reduzir a emissão de gases do efeito estufa e, para atingir tal meta, criam obrigações para diversos setores nacionais, incluindo limitações de emissões e possibilidade de compra de créditos de carbono. Em outras palavras, se estabelece uma quantidade máxima de emissões aos agentes regulados, gerando a possibilidade de que empresas com volume de emissão inferior ao autorizado possam vender o excedente através de permissões emitidas e distribuídas para transações entre os agentes. Há, no sistema cap-and-trade uma lógica concorrencial na venda e aquisição. Países como México, Canadá, Estados Unidos (California), União Europeia, Japão (Tóquio), China e Coreia do Sul já definiram regras para o mercado.

Já o mercado voluntário, é utilizado por empresas privadas. Tem-se oportunidade de geração de créditos da modalidade offsets, por variados nichos de empresas, que podem comercializar o excedente para que outras, voluntariamente, compensem. Permite, assim, que investidores, governos, organizações não governamentais e empresas ofertem e comprem, voluntariamente, créditos de carbono cuja certificação dá-se por standards (ex: Verra, Gold Standard, Climate Action Reserve, American Carbon Registry, etc). Neste sistema, chamado offset, a lógica é de sensibilidade de mercado, às demandas consumidoras.

Quais são os principais instrumentos de precificação de carbono utilizados atualmente?

Embora o Brasil ainda não tenha um sistema nacional de precificação de carbono, algumas iniciativas locais e setoriais estão em desenvolvimento, como o mercado de créditos de carbono do setor sucroenergético e projetos de REDD+ na Amazônia.

De forma aproximada, o preço médio do carbono não emitido (que gerará crédito) segue  a lógica: 1 tonelada de Co2 que deixou de ser emitida = 1 crédito de carbono = a um valor monetário variável segundo a região, projeto e etc.. (entre US$ 1 a US$ 137).

Em nível global, existem dois principais instrumentos de precificação de carbono. Um é o Sistemas de Comércio de Emissões (Cap-and-Trade), no qual um limite máximo de emissões (cap) é estabelecido e distribuído entre as empresas em forma de permissões de emissão. As empresas podem comprar e vender essas permissões no mercado de carbono, criando um preço para as emissões. Um exemplo notável desse sistema é o Esquema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS), que abrange diversos setores industriais na UE e é o maior mercado de carbono do mundo.

O outro é o de Taxas de Carbono, que são impostos diretos sobre as emissões de carbono, cobrados por unidade de emissão. Essa abordagem cria um incentivo econômico para reduzir as emissões, já que as empresas buscam evitar os custos adicionais associados à poluição. Países como Canadá, Suécia e Noruega implementaram com sucesso taxas de carbono em nível nacional ou subnacional.