Em recente decisão do Governo Federal, o Banco Central e a CVM foram definidos como os órgãos reguladores do mercado de criptomoedas, a mudança traz contornos a prestação e regulação dos ativos virtuais. João Pedro Nascimento, Presidente da CVM, concedeu entrevista exclusiva para o Decisor Brasil comentando sobre a alteração, os impactos observados, o acesso ao mercado de capitais, além dos novos desafios da CVM.
Confira a entrevista:
Como a CVM está abordando a regulamentação das criptomoedas e ativos digitais no mercado financeiro brasileiro?
A CVM é receptiva à inovação e aos aspectos que fomentam o desenvolvimento do Mercado de Capitais, principalmente quando bem trabalhados e estruturados em observância à legislação e características de proteção do investidor. O Governo Federal editou, em 14/6/2023, o Decreto 11.563/23, que determina que o Banco Central do Brasil é o regulador a que se refere a Lei 14.478/22, que trouxe contornos para a prestação e a regulação dos serviços de ativos virtuais. O Decreto não altera as competências da CVM, cabendo à Autarquia a regulamentação e supervisão de valores mobiliários, independentemente de sua forma de representação.
Previamente à publicação dos referidos Decreto e Lei, a CVM elaborou e divulgou o Parecer de Orientação 40, que tem caráter de recomendação e orientação ao mercado, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança a todos, além de contribuir para a proteção do investidor e da poupança popular, bem como fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento da cripto economia, com integridade e aderência a princípios constitucionais e legais relevantes.
O Parecer também explicita que a abordagem inicial da CVM com relação aos criptoativos que forem considerados valores mobiliários estará em linha com o princípio da ampla e adequada divulgação (full and fair disclousure). A concentração inicial da Autarquia é no sentido de prestigiar a transparência em relação aos criptoativos, sem prejuízo da avaliação quanto à necessidade de complementar posteriormente a atuação da CVM com outras medidas a serem conjugadas.
Quais impactos resultantes de tal regulamentação já podem ser observados?
O assunto é recente e já é possível perceber que os participantes deste segmento identificaram o intuito do legislador e dos órgãos reguladores de iluminar a temática e, com isso, gerar oportunidades para todos, sejam emissores ou investidores. Com um caminho bem pavimentado, os emissores se sentem preparados para realizar ofertas enquanto os investidores passam a observar um cenário mais transparente e promissor.
A Autarquia e o Banco Central têm trabalhado juntos, com diálogo e cooperação entre seus dirigentes, reconhecendo que a criptoeconomia demanda atuação de ambos, dentro das suas respectivas esferas de competência.
É importante manter ampla interlocução com o mercado cripto, em especial com iniciativas que almejam tokenizar valores mobiliários, para fins de construção de um arcabouço regulatório cada vez mais propício às características desses ativos.
Como a CVM se mantém em consonância com a crescente adoção de tecnologias financeiras (FinTechs) e plataformas de negociação automatizada?
O Mercado de Capitais está cada vez mais sofisticado, empregando sistemas que se utilizam de algoritmos e de inteligência artificial. É importante acompanharmos e fazermos bom uso das inovações, de forma a criar um ambiente de segurança jurídica favorável ao seu crescimento e integridade.
A fim de evitar disfunções no funcionamento do Mercado, é preciso haver a adequada utilização das ferramentas, bem como preservar e garantir os perímetros de atuação de agentes regulados do mercado autorizado pela CVM.
A CVM tem mantido canais abertos de interação com aqueles que têm interesse em conhecer, acessar e desenvolver ferramentas no âmbito do Mercado de Capitais.
Na sua avaliação, como as novas modalidades de investimento vêm afetando o mercado de capitais?
Em um ambiente de constante transformação, com tecnologias disruptivas, as novas modalidades de investimento podem contribuir para um movimento de democratização, com inclusão social, no Mercado de Capitais. A democratização do Mercado de Capitais vem acompanhada do empoderamento do investidor, que passa a ter mais direitos e deveres. Se por um lado o investidor começa a receber um conjunto de conteúdo mais robusto para a tomada de decisão, por outro, passa a ter a necessidade de avaliar criteriosamente tais informações.
A criptoeconomia pode ser mais um caminho para o desenvolvimento econômico e social do país, sendo uma das quatro verticais que pretendemos destacar e explorar no Mercado de Capitais Aberto, um conjunto de oportunidades para a descentralização do universo das finanças no âmbito do segmento regulado pela CVM. Há espaço junto ao agronegócio, às Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) e às finanças sustentáveis. O Brasil tem uma vocação muito grande para finanças sustentáveis e para vários setores como o mercado de carbono, por exemplo, que é global e precisa de harmonização e comparabilidade.
Segundo a Organização Internacional das Comissões de Valores (IOSCO), o Brasil é a quarta maior indústria de fundos de investimento do mundo – com potencial para ampliação e protagonismo. De acordo com dados divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a indústria de fundos fechou o 1º semestre de 2023 com saldo positivo de 4 milhões de novas contas de investidores, atingindo 35,5 milhões de contas, além da rentabilidade positiva dos principais tipos de fundos, permitindo que o patrimônio líquido da indústria chegasse a R$ 7,75 trilhões.
Quais são as principais iniciativas da CVM para promover a transparência e a divulgação de informações relacionadas aos critérios ambientais, sociais e de governança (ESG) por parte das empresas de capital aberto?
O Mercado de Capitais está atento às oportunidades decorrentes dos temas ESG e a CVM, enquanto reguladora e desenvolvedora deste Mercado, tem contribuído para a construção de um país mais socialmente responsável e economicamente desenvolvido. A prestação de informações e a divulgação de relatórios envolvendo aspectos ambientais, sociais e de governança corporativa estão ligados ao conceito de “futuro verde e digital”.
Dentre as iniciativas da CVM, destaque-se a orientação no Ofício Circular anual da Superintendência de Relações com Empresas (SEP), que busca fomentar a divulgação de informações das companhias abertas de forma coerente com as melhores práticas de governança corporativa, visando a transparência e a equidade no relacionamento com os investidores. O documento deste ano apresentou o novo Formulário de Referência, advindo com a Resolução CVM 59, que trouxe inovações sobre o regime informacional de emissores de valores mobiliários, inclusive com questões ESG.
O novo marco regulatório dos fundos de investimento – Resolução CVM 175, que entra em vigor a partir de 2/10/2023, destaca a utilização de termos correlatos às finanças sustentáveis na denominação dos fundos cujas políticas de investimento busquem originar benefícios ambientais. A solução adotada para a temática de investimentos socioambientais é pouco invasiva, aderente a práticas de mercados mais desenvolvidos, com foco na prestação de informações ao público investidor e no combate ao greenwashing.
A pauta ESG deve ser internalizada por todos aqueles que acreditam em um ambiente cada vez mais democrático. Não se trata de um modismo, e, sim, de uma mudança cultural e com relevantes possibilidades de investimentos.