- Os diferentes mecanismos de solução de conflitos disponíveis hoje no Brasil também proporcionam múltiplas oportunidades para o desenvolvimento de trabalhos de natureza pericial, necessários para o esclarecimento de temas técnicos.
- O advento da arbitragem como uma alternativa à solução de conflitos por processo estatal trouxe a oportunidade e a necessidade de se tratar da prova pericial com profundidade, seja quanto aos aspectos de suficiência técnica, seja quanto à profundidade das investigações em cada caso.
- Isso, evidentemente, exige também uma evolução dos profissionais que atuam no desenvolvimento destes trabalhos periciais, que não se limita apenas ao seu conhecimento técnico na sua área de formação, mas abrange também o aprimoramento da estrutura das equipes de trabalho, da forma de planejamento e da própria execução das perícias.
- Tratando-se especificamente de perícias contábeis e perícias econômicas, o que se materializou foi a substituição de peritos que atuavam individualmente por grupos de peritos contadores e economistas atuando em empresas capazes de produzir investigações mais complexas e mais volumosas em tempo compatível com a necessidade de se entregar decisão às Partes em prazo razoável.
- Nessa transição, é certo que houve um momento em que tudo demorou mais, mas hoje se vislumbra uma adequação do tempo e da execução de perícias em prazos compatíveis com a complexidade das matérias objeto de investigação em arbitragem. Ainda existem aqueles que buscam comparar o tempo de execução dos trabalhos periciais no judiciário brasileiro com o tempo de execução das perícias em arbitragem. Essa comparação, porém, não parece adequada, tendo em vista que as matérias submetidas à arbitragem tendem a ser de maior complexidade e consideravelmente mais volumosas.
- Vale apresentar alguns exemplos de atividades periciais complexas:
- perícias relacionadas a grandes obras de infraestrutura, que demandam pesquisas contábeis profundas para sustentar pedidos de reembolso de aceleração de obras, de acréscimos de prazo e de escopo, e perdas financeiras;
- perícias relacionadas a matérias societárias, como balanços de determinação, para apurar haveres de sócio retirante ou excluído, com análise crítica do conceito de patrimônio e sua verdade material, com ajustes para apuração de haveres; exame de operações realizadas pelos administradores sob escrutínio de acionistas minoritários;
- perícias no âmbito das operações de fusões e aquisições (M&A), mediante a definição dos econômicos dos contratos segundo seu modelo de preço, retificações de preço, ajustes de preço por operações intermediárias entre signing e closing, earn out, perdas decorrentes de eventos pretéritos materializadas em datas futuras;
- perícias relativas ao desequilíbrio econômico na exploração de concessões para a definição da natureza econômica da atividade explorada, matriz de remuneração (TIR ou equivalente), aferição da existência de modificações de premissas da matriz econômica da concessão em decorrência de fatos supervenientes, definição dos efeitos da modificação da estrutura da matriz nos valores da concessão;
- perícias no âmbito dos contratos de distribuição e de manufatura para a constatação dos econômicos do contrato, de alterações na estrutura e das razões de sua ocorrência, identificação da atuação de agentes para essas modificações e efeitos nos resultados do contrato que possam torná-los excessivamente onerosos;
- perícias relativas a temas tributários, abrangendo teses de risco, análise de hipóteses de incidência, constatação de fato gerador, gross up, prognóstico de autos de infração.
- Todos os temas acima relacionados são amplamente tratados no contexto das arbitragens, incluindo aqueles relativos às grandes obras de infraestrutura e contratos de concessão que envolvem o Poder Público[1].
- Observe-se que são temas complexos que demandam um iter procedimental adequado, abrangendo: (i) estudo do caso, (ii) definição dos elementos de conhecimento contábil e/ou econômico aplicáveis, (iii) análise crítica das razões emitidas pelas partes lastreadas em fatos, (iv) elaboração de investigações profundas de cada tema, com seu suporte científico, (v) elaboração de laudo revestido dos dados levantados, expostos em linguagem precisa e eficiente para que o leitor possa entender o tema tratado, (vi) suficiência técnica para atender, em audiência, as dúvidas que sejam levantadas pelas partes, nem sempre amistosas, e pelo tribunal, sempre objetivo.
- Há que se observar que essa demanda pela definição de procedimentos mínimos para o desenvolvimento do trabalho pericial culminou com a publicação da NBC TP 01 pelo Conselho Federal de Contabilidade e que teve como propósito “estabelecer regras e procedimentos técnicos a serem observados pelo perito, quando da elaboração de perícia contábil” e que dedicou seção exclusiva ao planejamento da perícia, etapa prévia aos exames e na qual devem ser estabelecidos os procedimentos de investigação que serão executados de acordo com a casuística.
- Além da definição de procedimentos adequados de investigação, mediante um planejamento completo dos trabalhos, o enfrentamento dos temas técnicos complexos e com volumoso acervo documental e de registros contábeis também demanda equipes de contadores e economistas entrosadas e com formação específica em campo de provas. A Simonaggio se adaptou a essa evolução e mantém sua equipe de profissionais internamente, mediante uma classificação de sócios, peritos, assistentes e trainees, todos com aplicação técnica direta no caso e submetidos aos treinamentos preparados internamente e específicos para o desenvolvimento da atividade pericial, incluindo simulações de audiências arbitrais.
- Dessa forma, não há espaço para uma gerência superficial e distanciada da operacionalização dos casos; há necessidade de lideranças técnicas e laboriosas e da criação de sinergia entre a equipe multidisciplinar e a liderança, de modo a garantir que todas as etapas do processo de investigação pericial estejam sendo executadas sob o mesmo rigor técnico.
- Tratou-se até aqui das evoluções nas perícias contábeis e econômicas materializadas no mercado e na Simonaggio. Há que se tratar ainda de uma evolução necessária: o início desse processo de produção de provas deve ocorrer no momento em que a parte entende que irá enfrentar uma disputa arbitral e não no curso da arbitragem.
- Esse entendimento da parte de que a prova pericial é seu direito-dever amplia suas possibilidades de visualizar o caso e seu resultado com muita antecedência e, sem dúvida, reduz o tempo de andamento da arbitragem com a antecipação de fatos e evidências com a devida interpretação de seus significados contábeis e econômicos. Essa evolução é mais que promissora; é necessária.
[1] A Lei nº 13.129/15 alterou pontualmente a Lei Brasileira de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) e trouxe uma mudança significativa: a previsão que “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (art. 1º, § 1º).