De acordo com um estudo realizado pela SimilarWeb, o Brasil liderou o número de acessos a sites de apostas em 2022, com 3,2 bilhões, representando quase 25% do total levantado. Esse fato, juntamente com os recentes casos de investigação de manipulação de partidas no Campeonato Brasileiro, trouxe à tona a discussão a regulamentação das casas de apostas esportivas.
A entrada das casas de apostas no Brasil começou em 2018 quando foram autorizadas a operar pelo presidente Michel Temer por meio da Lei 13.756, que estabelecia que a regulamentação fosse finalizada até o fim de 2022, o que não ocorreu.
Desde a liberação, o governo federal calculou que deixou de faturar em torno de R$ 6 bilhões pela falta de taxação de apostas. Caso haja a regulamentação, o governo prevê um arrecadamento anual de até R$ 15 bilhões.
“A regulamentação pode estabelecer exigências mínimas de proteção à integridade a serem implementadas pelas casas de apostas licenciadas no Brasil. Um exemplo claro disso seria a exigência de contratação de monitoramento das apostas efetuadas em suas plataformas e, em caso de apostas suspeitas, a obrigatoriedade de compartilhamento imediato de tais informações para as entidades desportivas e as autoridades públicas para maiores investigações”, afirmou Bichara Neto, advogado e sócio fundador do escritório Bichara e Motta Advogados, líder em Direito Desportivo no ranking da Leaders League.
Em meados de maio, foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um texto de medida provisória visando a regulamentação das casas de apostas, o novo texto prevê as seguintes mudanças:
- As casas de apostas terão uma porcentagem menor de arrecadação e mais obrigações com o governo;
- O Ministério da Fazenda terá a responsabilidade de fiscalizar a atividade no Brasil;
- O fluxo de capital entre os apostadores e as casas só poderá ocorrer através de instituições autorizadas pelo Banco Central a operar no Brasil;
- O ministério tem a liberdade de requisitar das empresas informações econômico-financeiras, contábeis, técnicas, além de dados, certificados e documentos.
Outra medida definida pela MP é a cobrança de R$ 30 milhões aos sites para obterem a licença de atuação durante cinco anos. A taxa é baseada e similar ao valor cobrado no Reino Unido, um dos primeiros países a regularizar as apostas.
“Com a regulamentação das apostas, parte da receita obtida pelo Governo pode ser destinada ao investimento em mecanismos de fiscalização e monitoramento no combate à manipulação de resultados. A possível regulamentação com a devida tributação pode gerar políticas de conscientização e educação dos atletas e envolvidos no esporte”, afirmou Michel Asseff Filho, advogado e sócio fundador do escritório Asseff Zonenschein.
Além disso, outras regras para obter o licenciamento no mercado brasileirão incluem ter sede no país, obter certificados dos meios de pagamentos utilizados, implementar plataformas e sistemas para evitar a manipulação de resultados, além de ter um capital mínimo de R$100 mil.
Em relação à tributação das empresas, o Ministério da Fazenda propôs uma cobrança de 16% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), ou seja, a receita obtida com todas as apostas feitas, subtraindo os valores pagos aos apostadores. Haverá também uma tributação de 30% sobre os ganhos do apostador, referente ao Imposto de Renda, com a isenção para prêmios de até R$ 2.112.
Assim como a taxa de licenciamento, os percentuais foram inspirados no modelo do Reino Unido, com a diferença que a MP preparada pelo governo prevê o pagamento de impostos como Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, PIS/Cofins e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social.
Outras alterações mencionadas pela MP sobre as alíquotas de taxação incluem:
- Redução do percentual destinado às casas de apostas de 95% para 84%;
- Destinação de 1% da arrecadação para o Ministério do Esporte;
- Destinação de 10% para a seguridade social.
Manipulação de resultados
Um dos pontos de preocupação por parte do governo diz respeito à manipulação dos resultados, por isso está previsto na MP que devem ser implementadas ações para mitigar a manipulação de resultados e a corrupção.
Fica estabelecido que é considerada uma infração administrativa a execução, incentivo, permissão ou qualquer ato que contribua para práticas contrárias à integridade esportiva. Em resumo, deve ser garantido que não haja fraudes ou interferências indevidas para a atividade esportiva. Para assegurar isso, jogadores, árbitros e dirigentes ficam proibidos de apostar.
A Operação Penalidade Máxima está sendo a responsável por investigar e combater a manipulação de partidas no futebol brasileiro. As investigações estão em andamento há meses e resultaram em prisões preventivas, investigações de jogadores e julgamentos.
O Ministério Público de Goiás está conduzindo as investigações pelo fato de as primeiras denúncias terem envolvido um jogador do Vila Nova. Até o momento, já foram julgados 12 atletas, enquanto outros 5 têm datas de julgamento agendadas.
Do ponto de vista esportivo, Bichara afirma que podem ser feitas punições previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
“No âmbito desportivo, existem punições claras para atletas que manipulem resultados ou eventos específicos nas partidas, seja em razão de apostas ou não. O CBJD estabelece que atletas envolvidos em match-fixing podem sofrer penas de multa (de R$100 a R$100 mil) e suspensão (6 a 12 partidas ou 180 a 360 dias; ou até banimento do esporte em caso de reincidência)”, explicou o advogado.
No âmbito criminal, o Estatuto do Torcedor prevê a criminalização de práticas de manipulação de resultados pelos artigos 41-C,41-D e 41-E, prevendo uma pena de reclusão de 2 a 6 anos, somada a uma multa.
A negociação entre os jogadores e apostadores ocorria por meio de redes sociais, onde eram feitas ofertas para a realização de eventos específicos durante as partidas, por exemplo, que um jogador vai cometer determinado número de faltas ou que receberá um cartão amarelo.
Um exemplo disso foi o caso de um jogador que teria recebido R$ 5 mil antecipadamente para receber um cartão amarelo em dois jogos, sendo que na sequência receberia R$60 mil. O jogador foi investigado e julgado a pagar uma multa de R$ 30 mil reais e banimento da modalidade.
“A manipulação de resultados existe há muito tempo no Brasil e nunca foi combatida de maneira efetiva. As casas de apostas são interessadas diretas na proteção da integridade esportiva, visto que dependem da imprevisibilidade dos resultados para funcionarem. Assim, estas devem cooperar com entidades esportivas, autoridades públicas, reguladores, empresas de monitoramento de apostas, polícia e Ministério Público para troca de informações visando a punição dos manipuladores/criminosos”, contou Bichara Neto.
Responsabilidade das casas de apostas e futuro
Mesmo antes da regularização das casas, os advogados comentam algumas ações que podem ser tomadas pelos clubes e federações.
“Investimento nos setores de compliance e criação de comissões de éticas, verificando a legislação aplicável, criando políticas de combate ao esquema de manipulação com palestras e cursos com todos os envolvidos no esporte. Entendo que os regulamentos das modalidades devem ser alterados com a implementação de órgão fiscalizador e investigativo, bem como para prever medidas a serem seguidas por atletas, que poderá facilitar a investigação dos casos. Alguns exemplos podem ser seguidos, como os regulamentos internacionais do tênis”, explicou Asseff.
Asseff complementa explicando que a falta de investimento na área de fiscalização e controle de fraudes, é na realidade um problema para as próprias empresas de apostas,
“O resultado da manipulação das apostas acaba vitimando a própria casa de apostas, em razão do prejuízo financeiro que assumem ao terem que pagar valores relacionados a possíveis apostas fraudulentas.”
Na visão de Bichara, existem três pilares principais voltados para a integridade que podem garantir um combate e um espaço seguro em relação às apostas no Brasil: prevenção, detecção e punição.
“Investimento em programas de integridade e educação de participantes do esporte (prevenção); Criação de um canal de denúncias íntegro para atletas, técnicos, dirigentes e árbitros possam denunciar anonimamente certas práticas que envolvam match-fixing ou spot-fixing (detecção); Investimento em sistemas de monitoramento e fiscalização de volumes de apostas, capazes de alertar os interessados em caso de movimentação suspeita (detecção); Compartilhamento de informações entre entes públicos e privados (detecção); Investigação das autoridades públicas sobre as práticas envolvendo o esporte para punir os infratores (punição); Regras, regulamentos e leis claras sobre as penas a serem aplicadas a quem se envolver com manipulação de resultados (punição)”.