Em análise de recurso especial em novembro passado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou por unanimidade que a cobrança de direitos autorais em decorrência da execução músicas protegidas em eventos públicos não está condicionada ao objetivo ou à obtenção de lucro.
Segundo nota publicada no site do STJ, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) ajuizou ação de cobrança contra o munícipio de Cerquilho (SP), cuja Prefeitura estaria realizando eventos públicos com a reprodução de músicas sem a autorização dos autores e sem o recolhimento dos direitos autorais.
No recurso ao STJ, o município alegou que o pagamento de direitos autorais somente é devido quando houver qualquer tipo de lucro ou proveito econômico, o que não ocorreu na hipótese dos autos, em que foram realizadas festas comemorativas, sem finalidade lucrativa, em lugares públicos abertos à população em geral.
O município já havia sido condenado em primeiro grau a pagar 15% do custo total dos eventos pela reprodução mecânica de músicas e 10% pela execução de música ao vivo. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) também manteve a decisão.
Gabriela Lima Silva, sócia e head da área de Direito do Entretenimento do escritório Gusmão & Labrunie, lembra que existem hipóteses específicas em que há dispensa de autorização e remuneração – como quando a execução é realizada no recesso familiar ou em estabelecimentos de ensino para fins didáticos.
“Neste caso concreto, a discussão era sobre o pagamento de direitos autorais pela execução pública musical”, ressaltou. “É importante destacar que a finalidade lucrativa – ou sua ausência – não é um requisito, por si só, para determinar se a execução pública musical gera cobrança de direitos autorais. Nesse sentido, vale lembrar que no passado, em 2016, o STJ já havia discutido a cobrança de direitos autorais em festas religiosas, decidindo que a ausência de finalidade econômica de um evento não seria requisito para avaliar a necessidade ou dispensa da cobrança. Na época, portanto, o entendimento da 4ª Turma foi o de que os direitos autorais seriam devidos em caso de execução pública de obras musicais por instituições religiosas, ainda que sem fins lucrativos (AREsp 685885)”, completou.
Luciana Lira Aguiar, sócia do Alma Law, destaca, também, o poder de escolha do detentor dos direitos de uma determinada obra musical sobre seu uso.
“Sendo um direito individual e inalienável do autor, só ele tem o poder de decidir se e como a sua obra pode ser usada nas hipóteses previstas no art. 29 da Lei 9610/98. Ele pode decidir permitir que sua obra seja reproduzida publicamente de forma gratuita, mas para que isso aconteça, ele precisa formalmente se manifestar. Logo, acertou a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na decisão no bojo do REsp 2.098.063. Cabe mencionar que, no caso, a reprodução pública foi num evento presencial, mas, o entendimento também se aplica ao uso público virtual desse tipo de obra”, avaliou.
Como eventos públicos devem se adequar
O posicionamento do STJ reforça uma jurisprudência no sentido de que empresas, administração pública e demais entidades sem fins lucrativos possam ser questionadas pela utilização de direitos autorais por terceiros em eventos como festas juninas ou festas de réveillon. Para Alexandre Fragoso Machado, sócio do Mansur Murad Advogados, o cuidado deve ser aumentado.
“Na medida da definição dada pelo STJ, em que pese o não auferimento de lucro pelo contratante, os meios alcançados por este geraram repercussões patrimoniais não auferidas pelo autor. Se este não determinou os limites de utilização de sua obra intelectual, pode-se afirmar, como decidido pela Corte Especial, que o contratante deveria ter negociado o pagamento ou não de royalties pela utilização”, explica.
Fragoso ressalta a necessidade de prestação de contas em atividades desta ordem, em especial as promovidas pelas entidades da administração pública, que têm a obrigação de responder pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Em eventos sem objetivo de lucro, o resultado final tem que ser zero. Ou seja, a receita menos despesa resulta em zero. Caso o evento tenha sido deficitário, a própria contratante precisa justificar esse déficit. Se a festa custou R$ 10 mil, e a Prefeitura arrecadou R$ 8 mil em patrocínio, por exemplo, os R$ 2 mil faltantes precisam ser subsidiados. No planejamento do evento, tem que haver a indicação dos custos para deliberação e aprovação, inclusive pelo Tribunal de Contas dos Estados e Municípios, se houver. Então, dentre esses custos, tem que haver o direito patrimonial autoral”, disse.
A partir desse posicionamento do STJ, segundo o advogado, a melhor conduta das autoridades ou empresas sem fins lucrativos seria levar em consideração que os direitos patrimoniais autorais de terceiros devam ser negociados com os detentores dos direitos. “É possível até que os autores ou seus representantes consintam com a não cobrança, na hipótese do evento não possuir fins lucrativos”, completou.
*Com informações do STJ