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Pessoas & Gestão

‘Um dos principais desafios para as mulheres é desenvolver o seu próprio estilo de liderança’

Daniela Maciel, diretora jurídica da Ericsson na América do Sul, é uma líder inspiradora no campo jurídico e um exemplo notável da ascensão das mulheres em cargos de direção. Em uma entrevista exclusiva ao Decisor Brasil, ela compartilha sua percepção sobre as oportunidades e desafios enfrentados por mulheres em cargos de liderança.

“O último estudo da Talenses Group e do Insper, Panorama Mulheres 2023, revelou que em 2023, as mulheres representavam 21% dos membros dos conselhos administrativos e 17% das CEO das empresas brasileiras, e em 2017 estes números eram de 10% nos conselhos administrativos e apenas 8% das CEOs”, destaca Daniela Maciel.

Confira a entrevista na íntegra:

Quais os maiores desafios enfrentados no exercício do cargo de Diretora Jurídica da Ericsson para America do Sul, especialmente considerando as complexidades legais e regulatórias em uma região tão diversificada e de constante mudança?

Posso dizer que os principais desafios são a necessidade de acompanhar e compreender as complexidades legais e regulatórias em diferentes países, lidar com as diferenças culturais e práticas comerciais locais, e garantir conformidade com as leis e regulamentações em evolução. Além disso, a gestão de uma equipe jurídica em uma região diversificada pode requerer habilidades de liderança e comunicação eficazes para garantir a consistência na aplicação de políticas e procedimentos legais em toda a organização.

 

Quais os principais desafios enfrentados por mulheres em cargos de liderança no mercado e, de acordo com a sua percepção em relação ao cenário jurídico global, como essa pauta vem se desenvolvendo ao longo dos últimos anos?

O último estudo da Talenses Group e do Insper, Panorama Mulheres 2023, revelou que em 2023, as mulheres representavam 21% dos membros dos conselhos administrativos e 17% das CEO das empresas brasileiras, e em 2017 estes números eram de 10% nos conselhos administrativos e apenas 8% das CEOs. O que significa que o nosso modelo de liderança é inspirado majoritariamente em exemplos masculinos, e na minha opinião, um dos principais desafios para as mulheres que ocupam estes cargos é desenvolver o seu próprio estilo de liderança, incorporando as contribuições únicas das mulheres, sem se deixar levar por vieses baseados em exemplos masculinos de como uma líder deveria ser.

No meu caso e de tantas outras, outro grande desafio é, sem dúvida, conciliar a maternidade e as demandas que um cargo de liderança exige. É preciso reconhecer que houve melhorias significativas no setor jurídico como um todo, mas neste sentido os departamentos jurídicos avançaram mais que os escritórios de advocacia, que ainda tem bastante espaço para melhorar em termos de equidade de gênero e empatia com a maternidade e paternidade.

 

Quais estratégias ou iniciativas a Ericsson implementa para promover a diversidade e inclusão dentro de sua equipe jurídica e em toda a sua organização?

A Ericsson está comprometida com a equidade de gênero por meio de esforços contínuos em direção à equidade salarial, treinamento de liderança inclusiva e programas de aceleração de carreira. Além disso, a empresa estabeleceu metas ambiciosas para aumentar a participação das mulheres entre todos os funcionários, gestores e populações executivas. Em 2023, as mulheres representaram 31% de todas as contratações externas e temos a meta de alcançar 35% de representação feminina em novas contratações e nomeações de gestores.

No Brasil, a Ericsson possui um Programa chamado Jovem Parceiro, no qual capacitamos jovens de áreas carentes e lhes oferecemos a oportunidade do primeiro emprego. Muitos acabam sendo efetivados ao final do programa, o que é muito gratificante. No departamento jurídico, já tivemos alguns aprendizes que decidiram seguir a carreira jurídica e se tornaram estagiários ou funcionários efetivos. Além dessa iniciativa, a empresa conta com o Plural, um programa de diversidade e inclusão que visa promover uma cultura de equidade na companhia, com diversas frentes de atuação, incluindo a equidade de gênero.

Uma das ações deste pilar é o programa de mentoria de mulheres, do qual faço parte como mentora. A empresa também oferece licença maternidade e paternidade estendida, e mesmo antes da decisão do STF já equiparávamos a licença maternidade para os casais homoafetivos que a solicitaram. No departamento jurídico, nunca tivemos exigência de faculdades específicas para contratação e para algumas posições deixamos de exigir o inglês fluente, o que nos permitiu formar uma equipe bem diversa da qual tenho muito orgulho.

 

Como você equilibra as demandas do cargo de liderança com as expectativas sociais e culturais relacionadas ao papel das mulheres em posições de alta responsabilidade, e quais conselhos você ofereceria para mulheres que aspiram cargos de liderança na área jurídica e de tecnologia?

É um desafio diário, especialmente para quem concilia a carreira e a maternidade, e no meu caso, só é possível com uma rede de apoio e muitas renúncias. Há um vídeo famoso de Shonda Rhimes em que ela fala sobre as renúncias das mulheres, e me identifiquei muito com o discurso dela, pois, embora os pais também renunciem a momentos com os filhos, família e amigos para estarem em viagens e eventos de negócios, o peso destas renúncias para as mulheres acaba sendo muito maior, já que sociedade cobra muito mais das mães.

Um conselho para as mulheres que aspiram a cargos de liderança é que não tenham medo de se posicionar, pois é justamente o seu posicionamento que vai destacá-las e deixar a sua marca por onde passem. Acima de tudo, desenvolvam o seu próprio estilo de liderança, sem tentar se transformar em algo diferente de sua essência.

 

Por fim, quais as suas perspectivas para o cenário da américa latina nos próximos anos no tocante a equidade de gênero e diversidade?

A Ericsson, assim como muitas grandes empresas e escritórios, tem investido bastante na equidade de gênero e diversidade, e acredito realmente em um futuro mais igualitário e diverso dentro das empresas em poucos anos, mas é necessário um esforço genuíno de todos. Outro dia, estava refletindo sobre os programas de mentoria para mulheres e me dei conta de que a maioria das mentoras são mulheres. Ou seja, além da carga doméstica (que em geral é maior para as mulheres) e da cobrança pela excelência profissional (que em geral é maior para as mulheres), somos nós que estamos oferecendo nosso tempo para mentorar outras mulheres. Há muitos homens apoiando esses programas, mas poucos dispostos a oferecer seu tempo para mentorá-las. Precisamos mudar isso.

De qualquer forma, as empresas privadas representam apenas um recorte muito limitado de toda a sociedade latino-americana, e acredito que ainda levará muitas décadas para alcançar a necessária equidade de gênero e diversidade em todos os aspectos. Ainda há muitos temas a serem abordados, desde o viés inconsciente da sociedade até uma licença parental igualitária, e infelizmente isso não se muda em poucos anos em todo um continente.

É crucial buscar contribuições do ambiente de trabalho para promover a equidade e a inclusão, incluindo a eliminação de preconceitos, o apoio ao desenvolvimento de talentos em tecnologia, a garantia de salários e bônus iguais e o estabelecimento de metas de diversidade. Além disso, é importante criar condições de trabalho flexíveis, combater o assédio e a discriminação, e destacar iniciativas para aumentar a participação das mulheres no mercado de trabalho.

Na área de tecnologia, é urgente mudar a percepção da sociedade sobre as disciplinas STEM, investigar o papel da discriminação e estereótipos sociais na perpetuação das disparidades de gênero, aumentar a representatividade das mulheres em STEM, reconhecer suas contribuições subnotificadas e avaliar a escassez de modelos femininos e oportunidades de liderança. Além disso, é crucial promover a educação, explorando o impacto das oportunidades educacionais no engajamento das mulheres em STEM e enfatizando a importância de mentorias e redes de apoio para o desenvolvimento profissional das mulheres nessa área.